TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
150 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E esta conclusão não é infirmada pela circunstância de a caução poder vir a ser devolvida por efeito da decisão final, pois que a desproporção na medida ali prevista não sofre qualquer alteração na sua essencialidade por força desta possível reparação. 23. Por último – cumpre notar ainda – a norma recusada não acautela a possibilidade de verificação de insu- ficiência económica do arguido/recorrente. Numa análise de ponderação custos-benefícios, esta desconsideração total da situação económica do visado onera desproporcionadamente o sacrifício infligido no direito fundamental do acesso à justiça individual para atingir o benefício de interesse público prosseguido. Impondo a prestação de uma garantia de valor equivalente ao montante da coima mesmo aos arguidos que não tenham meios para a prestar, a solução normativa em causa exacerba o potencial inibidor da opção pela via de recurso de forma intolerável, já que redunda numa solução que esvazia uma das dimensões essenciais do direito de acesso à via judicial de plena jurisdição. Na prática, propicia-se a imediata execução da coima por falta de meios económicos do visado para impugnar a decisão da AdC de forma apta a prevenir o seu imediato pagamento. 24. Diante de uma norma que condicionava o seguimento dos recursos judiciais contra a aplicação de uma coima ao prévio depósito do quantitativo da coima – a norma constante do n.º 5 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 21/85 – o Tribunal Constitucional concluiu pela inconstitucionalidade quando referida a recorrentes com insuficiência de meios económicos (vide Acórdãos n. os 269/87, 345/87, 412/87, culminando no julgamento com força obrigatória geral proferido no Acórdão n.º 30/88) No primeiro dos referidos acórdãos pode ler-se: “Esta possibilidade de se recorrer para os tribunais, onde se poderá realizar uma audiência de julgamento, retira a razão a Cavaleiro Ferreira quando sustenta que é inconstitucional o julgamento pela Administração das contraordenações (cfr. Lições de Direito Penal , I, 1985, p. 32). Em verdade, há sempre possibilidade de a decisão administrativa ser apreciada pelos tribunais comuns, não sendo o recurso de mera legalidade. Devolve-se aos tribunais comuns a plena apreciação do pleito, que poderão sempre ordenar a realização de uma audiência de julgamento. Por isso mesmo, as medidas constantes do n.º 5 do artigo 15.º citado, quando referidas ao arguido com insuficiência de meios económicos, infringem o n.º 2 do artigo 20.º da Constituição, na medida em que criam restrições à garantia de acesso aos tribunais e de tal modo que, no caso, praticamente esvaziam de conteúdo útil a garantia da via judiciária. Ora, como tal direito fundamental se integra entre os previstos no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, aquelas restrições não são consentidas pelo n.º 2 da mesma disposição”. É certo que a norma ora em apreço não veda o direito ao recurso, apenas condiciona o efeito suspensivo do recurso ao prévio pagamento de uma caução substitutiva da coima. De todo o modo, ao não ressalvar do seu âmbito o recorrente carenciado de meios económicos para prestar a caução exigida, a norma em análise cria um obstáculo excessivo à garantia do acesso à jurisdição plena, neutralizando uma das suas dimensões essenciais ao não permitir aos arguidos economicamente carenciados evitar a produção de efeitos de uma decisão administrativa de natureza sancionatória. 25. A perceção do excesso agudiza-se com a consciência da incongruência que se manifesta numa solução em que o arguido que demonstre sofrer prejuízo considerável com a imediata execução da coima, beneficia da suspensão do efeito do recurso, desde que tenha capacidade económica para a pagar. Todavia, o arguido que viva uma situação de insuficiência económica, nunca poderá beneficiará desse efeito. Neste ponto particular a solução normativa adotada na LdC afasta-se mesmo do próprio regime em que se inspirou. As decisões da Comissão em que tenha sido fixada uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória neste âmbito podem ser impugna- das junto do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que conhece destes recursos com plena jurisdição (artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1/2003, do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência previstas no Tratado). No contexto deste processo, apesar de o recurso das decisões da Comissão, incluídas as de aplicação de coimas, se caracterizar pela ausência do efeito suspensivo, o TJUE pode, contudo, atribuí-lo, «se considerar que as circunstâncias o exigem», nos termos do artigo 278.º do Tratado sobre
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