TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
158 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL («a assistência e a educação dos filhos são um direito natural dos pais e a sua primordial obrigação») [tradu- ções próprias]. Também no âmbito internacional se afirmam tais deveres (para os pais) e direitos (para os filhos), designadamente no artigo 27.º da Convenção sobre os Direitos da Criança (aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro) que estabelece caber «primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança» (n.º 2 ). 8. Contudo, resulta com clareza que existe um dever de intervenção da República para a proteção das crianças colocadas em específicas e concretas situações de necessidade. Este dever decorre diretamente da Constituição, reconhecendo-se expressamente que «as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono» (artigo 69.º, n.º 1), assim como os pais e as mães devem gozar de proteção «na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos» (artigo 68.º, n.º 1). Este dever decorre igualmente de vinculações internacionais do Estado português, previstas no artigo 25.º, n.º 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo 24.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 10.º, n.º 3, do Pacto Interna- cional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e, em especial, na Convenção sobre os Direitos da Criança. São igualmente de referir as Recomendações do Conselho da Europa R(82)2, de 4 de fevereiro de 1982 (relativa à antecipação pelo Estado de prestações de alimentos devidos a menores) e R(89)l, de 18 de janeiro de 1989 (relativa às obrigações do Estado, designadamente em matéria de prestações de alimentos a menores em caso de divórcio dos pais). Assim, em apoio de uma solidariedade familiar impôs-se uma solidariedade estadual, vindo o Estado a assumir gradualmente prestações de natureza assistencial-garantística relativamente aos cidadãos em situa- ção de particular necessidade ou carência de recursos económicos para subsistir. O Estado surge, assim, na expressão utilizada por Paula Távora Vítor como o “pai social” em relação à criança carenciada, desprovida de rendimentos advindos do incumprimento das responsabilidades parentais, assumindo um papel, ainda que subsidiário, relativamente ao protagonismo incontornável dos progenitores no que tange ao desenvol- vimento físico, mental, moral e social das crianças e dos jovens (cfr. “A carga do sustento e o ‘pai social’”, in Textos de Direito da Família: para Francisco Pereira Coelho , p. 641). Deste modo, o Estado atua para a realiza- ção de um direito fundamental: o direito das crianças à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição. 9. Em execução dessas obrigações, com a Lei n.º 75/98, de 19 de novembro, o Estado assumiu o encargo de assegurar as prestações alimentares omitidas pelos progenitores, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfaça as quantias em dívida pelas formas previstas no (então) artigo 189.º da Organização Tutelar de Menores (OTM), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro (atualmente, no artigo 48.º do RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro) e o alimentado não tenha rendimento superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie, nessa medida, de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (cfr. artigo 1.º). Nos termos do artigo 6.º da Lei n.º 75/98, foi constituído o FGADM para, através dele, se satisfazer aquele encargo. O Fundo visava assim colmatar as deficiências apontadas ao regime de direito ordinário então vigente, apoiado apenas na solidariedade familiar (artigo 1878.º do Código Civil). O Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de maio, procedeu à regulamentação desta Lei, referindo, no seu preâmbulo, o seguinte: «A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das crianças à proteção, como fun- ção da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral (artigo 69.º). Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da
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