TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
162 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL n.º 164/99, na sua redação originária, que, entretanto, sofreu as alterações introduzidas pela Lei n.º 64/2012, de 20 de dezembro. Esta Lei veio estabelecer, no n.º 4 do artigo 5.º, que o pagamento das prestações, por conta do FGADM, tem início no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal e prevê, agora expres- samente, que não há lugar ao pagamento de prestações vencidas. Além disso, o n.º 5 veio esclarecer que a prestação de alimentos a cargo do Fundo é devida a partir do primeiro dia do mês seguinte ao da decisão do tribunal. Apesar da alteração de redação, estamos perante uma questão normativa muito semelhante à apreciada («a obrigação de o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores assegurar as prestações a menor judicialmente fixadas, em substituição do devedor de alimentos, só se constitui com a decisão do tribunal que determine o montante da prestação a pagar por este Fundo, não sendo exigível o pagamento de prestações respeitantes a períodos anteriores a essa decisão»). Embora a letra dos preceitos tenha sido objeto de alteração pela Lei n.º 64/2012, de 20 de dezembro, mantêm-se o mesmo princípio: o da inexigibilidade das prestações anteriores ao 1.º dia do mês seguinte ao da decisão do tribunal, sem que, portanto, haja lugar ao pagamento de prestações vencidas. Por essa razão, deve começar por se atender à fundamentação do referido Acórdão, que refere o seguinte: «7. (…) Como típico direito social, na dimensão em que se traduz na pretensão de prestações materiais a cargo do Estado, este direito das crianças é um «direito sob reserva do possível», não sendo diretamente determinável no seu quantum e no seu modo de realização a nível da Constituição. (…). É certo que neste domínio particular da protecção da infância, pela insuperável debilidade do titular, pela sua incapacidade natural de encontrar por si alternativas para satisfazer necessidades vitais comprometidas pelo incum- primento da obrigação alimentar, pela urgência e pelas consequências, no plano social e pessoal, da insatisfação imediata das necessidades de uma personalidade em formação, o grau de protecção constitucional é mais intenso e o correlativo dever de prestação por parte do Estado mais determinável no seu conteúdo mínimo. Designada- mente, no aspecto que agora interessa e que consiste na exigência de que a prestação pública seja idónea a propor- cionar resposta temporalmente adequada à necessidade ou situação de carência que a justifica. (…) 8. Porém, não pode retirar-se daqui que o conteúdo mínimo do direito social em causa ou, na sua dimensão objetiva, o especial mandamento constitucional de proteção das crianças com vista “ao seu desenvolvimento inte- gral”, só se cumpra se existir uma prestação pecuniária pública com esta natureza e se ela for devida (pelo menos) desde o momento em que o pedido é formulado. Com efeito, na concretização dos direitos sociais enquanto direitos positivos, mesmo onde haja maior vinculação do legislador, dificilmente deixa de subsistir um espaço de conformação legislativa porque, geralmente, não há uma medida certa, nem uma forma única, de cumprimento do imperativo constitucional, ficando a sua realização positiva, além da reserva do financeiramente possível, sujeita a uma margem de escolha dos meios, formas e prioridades por parte dos titulares do poder político. Deste modo, não se tratando de conteúdo diretamente determinado pela Constituição, importa ver se, no conjunto do regime instituído pelo legislador, há mecanismos capazes de proporcionar aquele grau de proteção para a situação de carên- cia gerada pelo incumprimento da obrigação alimentar sem o qual poderia discutir-se se é preservado o princípio da dignidade da pessoa humana. Ora, este dever de proteção que pode extrair-se do n.º 1 do artigo 69.º e do n.º 3 do artigo 63.º da Consti- tuição relativamente a situações de incumprimento por parte do obrigado a alimentos não é, no que respeita às prestações públicas pecuniárias ou de tradução pecuniária a favor do menor – note-se que o dever de proteção também exige do legislador medidas eficazes para que os progenitores cumpram o dever fundamental manutenção dos filhos (prestações legislativas; cfr. artigos 4.º e 27.º da Convenção sobre os Direitos da Criança) –, que o Estado se substitua na obrigação do progenitor, ainda que a título subsidiário e apenas numa certa medida, mas o de que proveja à situação de carência impeditiva de uma existência condigna ameaçada por esse incumprimento ou de que essa negligência ou impossibilidade de cumprimento das responsabilidades parentais é um dos factos geradores. Existência condigna, é bem certo, que não se refere à simples sobrevivência fisiológica ou psíquica, mas que deve levar em consideração que se trata de proteger o desenvolvimento de uma personalidade em formação (“direito à
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