TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
165 acórdão n.º 446/18 algumas decisões judiciais que recusaram aplicação ao critério normativo em causa, importa referir que a norma em apreciação também não viola o princípio da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição. Estamos perante uma prestação social que é atribuída mediante a verificação de pressupostos, designadamente quanto à intervenção do Fundo e à chamada “condição de recursos”, objetivamente fixados e iguais para todos os que se encontrem nessas condições. É certo que as vicissitudes processuais podem conduzir a que menores em situação de necessidade substancialmente semelhante venham a receber tratamento diferenciado. Mas, como diz Remédio Marques (loc. cit. p. 36), “... pelo seu carácter de subsidiariedade, o seu nascimento e a sua exigibilidade está necessariamente dependente de um conjunto de fatores verificáveis a montante: v. g. a inação dos representan- tes legais dos menores (ou do próprio Ministério Público) em fazer condenar o obrigado legal a prestar alimentos ao menor; a tentativa de cobrança coerciva dos montantes em que este tiver sido condenado; a dedução do inci- dente de incumprimento; o chamamento do Fundo de Garantia ao processo. As situações de desigualdade decor- rem da própria situação da vida concretamente considerada e não de um critério normativo fixado legislativamente ou extraído por via interpretativa com base em tais situações da vida”. E também não viola o princípio da igualdade a circunstância de, em outras prestações sociais, com diferentes pressupostos e diverso procedimento de atribuição ( v. g. o rendimento social de inserção – n.º 6 do artigo 15.º da Lei n.º 13/2003, de 21 de maio), a prestação pública cobrir, em regra, todo o tempo posterior ao pedido. Trata-se de situações não comparáveis. A igualdade não implica a simetria de soluções normativas adotadas para questões diversas, ainda que isso pudesse conferir maior harmonia ao sistema jurídico no seu conjunto». 18. Idênticas considerações são transponíveis, mutatis mutandis , para a apreciação da questão normativa que constitui objeto do presente recurso. Das normas e dos princípios constitucionais que consagram o direito à segurança social e à proteção da infância e do desenvolvimento integral das crianças, a cargo do Estado, infere-se a necessidade de uma tutela urgente e eficaz que garanta adequadamente a satisfação das prestações alimentares devidas a menores, e que essa intervenção do Estado tem de ocorrer em momento compatível com a satisfação da necessidade a que se provê. A garantia de alimentos devidos a menor surge no quadro processual de uma pretensão de cumprimento coercivo da prestação de alimentos previamente fixada, que o FGADM é chamado a “garan- tir”, reforçando, desta forma, o Estado, a efetivação da prestação de alimentos a que a criança tem direito. Traduz-se, por isso, numa prestação social do regime não contributivo de natureza subsidiária, que visa concretizar, no plano legislativo, o direito das crianças à proteção, tal como consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição. Porém, a Constituição não impõe ao legislador ordinário, como única via ou como mínimo consti- tucionalmente determinado de realização do direito social em causa, a retroação de efeitos da sentença ao momento da propositura da ação contra o FGADM, não sendo possível conferir «à incumbência constitu- cional de proteção da infância por parte do Estado uma tal extensão de cobertura temporal, cuja exigência parece pressupor uma lógica de intervenção substitutiva das responsabilidades parentais que se não retira por interpretação do artigo 69.º, n.º 1, e 68.º, n.º 1, da Constituição» (Acórdão n.º 400/11, ponto 9). Na verdade, a natureza constitucional desta proteção estabelecida a favor dos menores, embora assu- mindo contornos particulares face à natureza dos direitos envolvidos, não implica a eliminação da discri- cionariedade legislativa quanto ao modo concreto como se constrói normativamente esse tipo de tutela, cabendo a juízos de ponderação, situados no âmbito das competências político-legislativas do legislador, democraticamente investido, repartir os recursos financeiros, inevitavelmente escassos, pelos vários grupos de cidadãos fragilizados e carecidos de premente apoio social público, como os que devem ser adstritos à tutela do interesse dos menores carenciados, por privados de alimentos, em consequência do incumprimento dos deveres parentais. Nesta medida, ainda que assumindo uma dimensão programática – que dá liberdade a variadas concre- tizações posteriores – este direito impõe ao Estado os deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação.
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