TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

170 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL IV - O critério de comparação relevante – postado pela qualidade ou característica comum às situações ou objetos a comparar –, coincide com a ratio subjacente ao regime de estabelecimento da filiação bio- lógica contra a (ou independentemente da) vontade dos pretensos progenitores, o qual responde, por sua vez, à necessidade de salvaguarda do direito fundamental à identidade pessoal do filho ou filha que desconhece a identidade de um ou ambos os seus progenitores, e do seu direito fundamental em ver constituídos os correspondentes vínculos familiares, direitos estes de cuja concretização resulta para os possíveis progenitores uma posição jurídica necessariamente passiva; inexiste qualquer diferença entre o tratamento que o ordenamento jurídico dispensa ao pretenso pai e aquele a que sujeita a pretensa mãe na medida em que é possível proceder ao reconhecimento judicial da filiação – seja a paternidade ou a maternidade biológicas – contra a vontade de qualquer dos progenitores biológicos. V - No âmbito do reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor o conflito regista-se entre o direito à identidade pessoal do filho que desconhece a identidade do seu progenitor e o seu direito a constituir família, de um lado, e o direito à identidade pessoal, na sua dimensão de autodeterminação negativa, do progenitor paterno, do outro; se não é constitucional- mente censurável, em face do princípio da igualdade, a dispensa do consentimento do progenitor para a exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez realizada nas condições previstas no artigo 142.º, n.º 1, alínea e) , do Código Penal, jamais o poderia ser, até pelos demais direitos envolvi- dos, a possibilidade de a gestante, por decisão unilateral sua, prosseguir com a gravidez, não obstante a vontade do progenitor no sentido de que lhe seja posto termo; a composição de interesses e valores em jogo na definição da licitude penal do ato de interrupção voluntária da gravidez por parte da mulher é substancialmente diversa daquela que preside aos termos em que pode ser definida a participação do homem no estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade de criança já nascida. VI - Mesmo a admitir-se que a solução extraída das normas sob apreciação pudesse envolver algum tipo de afetação do direito à identidade pessoal do pai, sempre seria a todos os títulos evidente que se tra- taria de uma restrição inteiramente consentida pelo princípio da proibição do excesso; do ponto de vista dos primeiros dois dos três subprincípios em que se desdobra aquele princípio – da aptidão ou idoneidade e da necessidade ou indispensabilidade – , não subsiste qualquer dúvida de que a ação de investigação de paternidade prevista nas normas sub iudicio não apenas se mostra apta ao fim preten- dido – o estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade biológica –, como constitui o único meio destinado à efetivação de tal direito, sendo também o meio mais eficaz de concretização do direito ao conhecimento da ascendência biologicamente verdadeira quando o suposto pai recusa qualquer colaboração, o que denota a sua indispensabilidade; a mesma conclusão é válida também no plano na proporcionalidade em sentido estrito, na medida em que, do ponto de vista da relação entre o nível de proteção alcançado e a restrição infligida ao direito do pretenso progenitor, o meio selecionado pelo Estado para o estabelecimento do vínculo da paternidade jamais se poderá considerar exagerado ou excessivo. VII - O aspeto decisivo do juízo ponderativo para que remete a solução impugnada reside na condição de maior fragilidade que caracteriza, de forma indelével, a situação em que se encontram os filhos cuja paternidade – ou maternalidade – se não ache estabelecida, o que justifica e impõe ao Estado uma mais intensa proteção, tanto fáctica quanto normativa, dos seus direitos fundamentais; considera- do o insubstituível papel que o estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade desempenha na caracterização individualizadora de uma pessoa na vida em sociedade, bem como o facto de o direito a constituir família implicar necessariamente a possibilidade de assunção plena de todos os direitos

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