TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
172 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL F) A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa sobre o recurso apresentado pelo recorrente é, nos termos dos artigos 629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, definitiva, porquanto confirma a sentença proferida pelo douto tribunal de primeira instância, não sendo, portanto, suscetível de recurso. G) Assim sendo, com o mencionado recurso, o recorrente esgotou todas as vias de impugnação ordinárias, pelo que encontra agora a oportunidade para recorrer junto do Tribunal Constitucional, reunindo todos os pressu- postos para o efeito. H) A respeito da temática sub judice importa observar o teor do artigo 67.º, n.º 2, alínea d) , da CRP. I) A identidade de interesses e a semelhança das situações entre o direito da mulher à determinação do momento adequado para exercer a maternidade (ou não, ou mesmo nunca) e o aqui discutido direito do homem a deter- minar o momento adequado para exercer a paternidade (ou não, ou mesmo nunca), implicará que todos os argumentos aplicados à situação da mulher aquando dos referendos efetuados em Portugal em torno da I.V.G. e aquando da subsequente decisão do legislador de a despenalizar, nos termos referidos no artigo 142.º, n.º 1, al. e) , do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, seja aplicável agora, de modo semelhante, ao homem. J) Os interesses (ou critério de determinação da igualdade relativa) subjacentes à vontade de não procriar são substancialmente iguais para mulheres e homens – a autodeterminação e livre desenvolvimento da personali- dade – sendo estes interesses que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Rui Moura Ramos referiu no seu voto de vencido no Acórdão n.º 75/10, do TC. K) E nem se invoque, em defesa da interpretação apresentada pela douta sentença, o “interesse do menor” ou o direito do mesmo à sua identidade/filiação. L) A declaração de inconstitucionalidade das citadas normas não implica uma violação do direito ao nome, até por nada obrigar, atualmente, a que os apelidos da menor sejam, também, os do pai, pois a lei admite que a criança possa ter apelidos só da mãe, como resulta do artigo 1875.º, n.º 1 do CC. M) Pelo Acórdão n.º 401/11 do TC foi decidido que o direito a conhecer a paternidade biológica (ou direito ao conhecimento das origens genéticas) e o de estabelecer o respetivo vínculo jurídico, não são valores absolutos, tendo de ser compatibilizado com outros, como o da reserva da vida privada. N) Note-se que mesmo no nosso ordenamento jurídico se prevê, em alguns casos, a relativização do vínculo genético: artigo 1839.º, n.º 3 do CC, não é permitida a impugnação da paternidade com fundamento em inseminação artificial ao cônjuge que nela consentiu, e, na Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, o teor do artigo 10.º, n.º 2, os dadores não podem ser havidos como progenitores da criança que vai nascer e o do artigo 21.º, o dador de sémen não pode ser havido como pai da criança que vier a nascer, não lhe cabendo quaisquer poderes ou deveres em relação a ela. O) Dúvidas não subsistirão de que, no nosso ordenamento jurídico, se mostra consagrada a autodeterminação parental da mulher, pois está legalmente consagrada a possibilidade de a mulher optar pela interrupção volun- tária da gravidez até à décima semana – cfr. Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, que alterou a redação do artigo 142.º, n.º 1, do Código Penal, aditando ainda ao mesmo a alínea e) . P) Sendo que a vontade do homem não é acautelada juridicamente nos casos em que este pretenda que o filho nasça e a mulher não, abortando. Q) Não só a mulher é livre de não ter um filho que o homem quer, como também é livre de o ter quando o homem não o quer, como no caso dos autos. R) No mencionado Acórdão n.º 75/10 do TC foi tido em devida conta que para a mulher o respeito pela vida intrauterina não se traduz apenas, como para terceiros, num dever de omitir qualquer conduta que a ofenda, vindo também a implicar, após o nascimento, na vinculação, por largos anos, a deveres permanentes de manu- tenção e cuidado para com um outro, os quais oneram toda a sua esfera existencial. S) Tendo a interrupção voluntária da gravidez, por mera opção da mulher, sido introduzida no ordenamento jurídico e considerada compatível com o teor dos artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pes- soal) e 36.º (família, casamento e filiação) da CRP enquanto corolário do direito ao livre desenvolvimento da
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