TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
175 acórdão n.º 465/18 Na medida em que, 4.º – Tendo a interrupção voluntária da gravidez, por mera opção da mulher, sido introduzida no ordena- mento jurídico e considerada compatível com o teor dos artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal) e 36.º (família, casamento e filiação) da Constituição da República Portuguesa enquanto corolário do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e do direito à reserva da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), ficou consagrada a tutela do direito à autodeterminação nega- tiva em sede de procriação, para a mulher, discriminando o homem em razão do sexo atentos os artigos 1865.º, n.º 5 e 1869.º e seguintes do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor.” 29.º Não se crê, porém, que assista qualquer razão ao recorrente na sua argumentação, para além de se evidenciar, mais uma vez, se necessário fosse, o seu persistente desejo de se furtar à assunção da paternidade da criança B., comprovadamente sua filha biológica, através de concludente teste de ADN (cfr. supra n.º 17 das presentes contra- -alegações). Sintomático, a este respeito, o pedido do Réu, ao Tribunal da Relação de Lisboa, de que «seja revogada a decisão proferida e anulado todo o processado nos presentes autos, desde o seu início» (teste de ADN incluído, naturalmente), quando a solução jurídica que se poderia esperar, da sua parte, seria a reformulação do Acórdão recorrido, expurgando-o da sua eventual inconstitucionalidade. 30.º Como consta da sentença proferida em 1.ª instância (cfr. supra n. os 5 e 18 das presentes contra-alegações) (destaques do signatário): “Dispõe o art. 1801.º do CC que nas ações relativas à filiação são admitidos como meios de prova os exa- mes de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados. No domínio do direito da filiação, impera o respeito pela verdade biológica. Logo, pode-se recorrer a méto- dos científicos suscetíveis de contribuir para a descoberta dos vínculos biológicos. (…) A formação da convicção sobre a existência e verificação da procriação biológica pode, pois, ser efetuada mediante prova pericial, que assenta na prova direta do afastamento ou da afirmação da paternidade, tal como acontece em relação às presunções judiciais. Com efeito, o estado atual da ciência laboratorial permite concluir diretamente pela paternidade. Os testes de ADN são como que uma prova plena do ponto de vista científico, ou seja, do ponto de vista da realidade factual. E, sendo certo que a prova pericial está sujeita ao princípio da livre apreciação (artigo 389.º do Código Civil), no caso, a mesma revelou-se concludente (cfr. facto n.º 4). Assim sendo, deverá a presente ação proceder, reconhecendo-se o réu A. como pai da menor B. e determi- nando-se o averbamento da paternidade e avoenga paternas.” 31.º Como consta, ainda, da resposta às alegações de recurso do Réu para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresen- tada pelo digno magistrado do Ministério Público (cfr. supra n.º 19 das presentes contra-alegações): “I – Quanto à diferença de tratamento entre a Mulher e o Homem existente no nosso ordenamento jurí- dico, no que se refere aos aspetos referidos pelo recorrente, designadamente, quanto à possibilidade de escolher os momentos da maternidade e da paternidade, parece-nos ser possível defender tal posição (com[o] aliás o faz o recorrente), contudo, sempre se dirá (esta é talvez a pedra de toque de toda a questão suscitada pelo recorrente) que qualquer ordenamento jurídico deve tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente.
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