TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

180 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Artigo 1869.º (Investigação da paternidade) A paternidade pode ser reconhecida em ação especialmente intentada pelo filho se a maternidade já se achar estabelecida ou for pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e outra. 5. Tomando em consideração o regime estabelecido nos referidos preceitos legais, assim como a orienta- ção firmada já na jurisprudência quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer do Tribunal Constitucional (cfr. Acórdão n.º 309/16), o tribunal a quo começou por notar, no acórdão recorrido, que a ação de investigação de paternidade corresponde ao único meio vocacionado para a efetivação do direito ao estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade biológica, constituindo este, a par do direito ao conhecimento da paterni- dade biológica, uma refração tanto do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição, como do direito fundamental de constituir família, acautelado no n.º 1 do respetivo artigo 36.º Não sem antes duvidar da própria possibilidade de, conforme sustentado pelo ora recorrente, discernir no direito à identidade pessoal do progenitor uma qualquer dimensão suscetível de acomodar o reconheci- mento de um direito de renúncia à parentalidade, o tribunal recorrido entendeu que tal direito, mesmo na hipótese de ser abstratamente configurável, sempre teria de ceder perante o direito à identidade pessoal do filho, na dimensão relativa ao conhecimento da identidade biológica, ascendência e proveniência familiar, direito este que, apesar de não ser absoluto, considerou assegurado pela Constituição em termos àquele sobreponíveis. Seguindo de perto os fundamentos que conduziram ao julgamento levado a cabo no Acórdão n.º 346/15 – que não julgou inconstitucionais «as normas constantes dos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil, na interpretação de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a von- tade do pretenso progenitor» –, o Tribunal da Relação de Lisboa ateve-se, em seguida, ao essencial das objeções dirigidas pelo ora recorrente à possibilidade de estabelecimento da paternidade contra a vontade do progenitor, recusando qualquer possibilidade de vir a ser considerada incompatível com o princípio da «igualdade de tratamento baseada no género», por aquele invocado, a prevalência conferida ao direito do filho à respetiva identidade pessoal, no confronto com o direito do pretenso pai de recusar a paternidade do filho nascido contra a sua vontade. Para assim concluir, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que o facto de, através da Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, ter sido reconhecido à mulher grávida o direito à autodeterminação parental, permitindo-lhe, nas condições ali previstas, interromper voluntariamente a gravidez até à décima semana de gestação, não impõe, do ponto de vista da igualdade de tratamento baseada no género, o reconhecimento ao pai biológico de um direito “análogo”, integrado pela faculdade de rejeitar a paternidade do filho nascido contra a sua vontade, tendo por base a igualdade na decisão de procriar. E isto na medida em que entendeu não apenas serem iguais as condições em que é admitido o reconhecimento judicial da filiação – paternidade ou maternidade biológica – contra a vontade do pretenso progenitor (cfr. artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil, em relação ao pretenso pai, e respetivos artigos 1808.º, n.º 4, e 1814.º em relação à pretensa mãe), como destituída, em qualquer caso, de sentido a ideia de, numa pretensa lógica de compensação, libe- rar aquele a quem não foi assegurada a participação na decisão de procriar do dever de assumir a paternidade do filho entretanto nascido, designadamente sob invocação do princípio da igualdade. Recorrendo à fundamentação constante do Acórdão n.º 346/15, já referido, o tibunal recorrido consi- derou não somente ser diversa – e, como tal, intransponível, para o âmbito do estabelecimento da filiação –, a ponderação subjacente à opção de não fazer depender do consentimento do progenitor a interrupção voluntária da gravidez dentro das dez primeiras semanas de gestação, como ainda que a solução a que se che- garia por via do reconhecimento de um direito à renúncia da parentalidade, nos termos propugnados pelo recorrente, seria ela própria, «geradora de desigualdade», que resultaria do «sacrifício injustificado do direito fundamental de uma pessoa já nascida ver estabelecido o vínculo jurídico da paternidade».

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