TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

181 acórdão n.º 465/18 Com base nesta ordem de considerações, o tribunal a quo concluiu que a norma extraível do n.º 5 do artigo 1865.º e artigo 1869.º do CC, com o sentido de que é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor, não envolve a violação de qualquer norma ou princípio constitucional, designadamente do princípio da igualdade. 6. Em linha com as alegações que produzira já junto do tribunal recorrido, o recorrente sustenta, no essencial, que, tendo a interrupção voluntária da gravidez por mera opção da mulher sido introduzida no ordenamento jurídico e considerada compatível, enquanto corolário do direito ao livre desenvolvimento da personalidade e do direito à reserva da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), com o direito à vida, o direito à integridade pessoal e os direitos à família, casamento e filiação (artigos 24.º, 25.º e 36.º da Constituição), ficou consagrada a tutela do direito à autodeterminação negativa em sede de pro- criação para a mulher, daí resultando, em consequência, a discriminação do homem em razão do sexo, se dos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º e seguintes do CC puder continuar extrair-se a solução segundo a qual é possível proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor. Para além da homologia que entende dever ser estabelecida entre os direitos da mulher e do homem à determinação do momento adequado para o exercício, respetivamente, da maternidade e da paternidade, o recorrente alega ainda que, tal como salientado no Acórdão n.º 401/11, tanto o direito a conhecer a paternidade biológica (ou direito ao conhecimento das origens genéticas) como o de ver estabelecido o correspondente vínculo jurídico não são valores absolutos, carecendo antes de ser compatibilizados com outros direitos, como o direito à reserva da vida privada – conclusão que considera, de resto, reforçada pelo facto de o próprio ordenamento jurídico acolher já soluções evidenciadoras de uma relativização do vínculo genético, mormente as estabelecidas no artigo 1839.º, n.º 3, do CC, e nos artigos 10.º, n.º 2, e 21.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho. 7. Tal como a questão apreciada no Acórdão n.º 346/15, também aquela que integra o objeto do recurso interposto no âmbito dos presentes autos supõe a confrontação da norma decorrente do n.º 5 do artigo 1865.º e artigo 1869.º do CC, com o sentido de que é permitido proceder ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor, com o princípio da igualdade em razão do sexo, extraí- vel do n.º 2 do artigo 13.º da Constituição, tendo por referência o direito à identidade pessoal do pai, aqui instanciado pelo direito de renúncia à parentalidade. Começando por recordar a evolução do regime aplicável em matéria de estabelecimento da paternidade, escreveu-se naquele aresto o seguinte: «No nosso sistema legal vigora um regime diferenciado de estabelecimento da paternidade. Se a mãe é casada, presume-se que o pai é o marido da mãe (artigo 1826.º, n.º 1, do Código Civil). Fora do casamento a paternidade estabelece-se por perfilhação (artigo 1849.º do Código Civil) ou em resultado da procedência de ação de investiga- ção de paternidade (artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil), podendo esta ação ser livremente intentada pelo filho ou pelo Ministério Público na sequência da procedência de uma averiguação oficiosa. É este último modo de estabelecimento da relação jurídica de paternidade, para o qual é irrelevante a vontade do pretenso pai, que o Recorrente entende violar princípios constitucionais. Argumenta o Recorrente que deve ser assegurado ao pai biológico o direito a rejeitar a paternidade como decorrência do livre desenvolvimento da sua personalidade e da reserva da sua vida privada e familiar, tal como se permitiu que a mulher pudesse proceder à interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas, em nome do seu direito à autodeterminação, sob pena de se verificar uma desigualdade de tratamento, baseada no género. Esta posição segue a tese defendida por Jorge Martins Ribeiro, em “O direito do homem a rejeitar a paternidade de filho nascido contra a sua vontade. A igualdade na decisão de procriar” (ed. de 2013 da Coimbra Editora).

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