TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
184 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. No ordenamento jurídico português, a ação de investigação de paternidade prevista nos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil, constitui um mecanismo processual destinado a assegurar a possibi- lidade de estabelecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor e, nessa medida, o único meio de «efetivação do direito fundamental ao estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade biológica» e do «direito ao conhecimento da ascendência biologicamente verdadeira» nos casos em que «o suposto pai recusa qualquer colaboração» (cfr. Acórdão n.º 346/15). A posição jusfundamental cuja concre- tização é, por essa via, assegurada encontra-se, evidentemente, no direito fundamental do filho à sua identi- dade pessoal, no âmbito do qual se inclui o direito ao estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade, bem como no direito fundamental que a cada um assiste de ver constituídos os respetivos vínculos familiares (cfr., respetivamente, os artigos 26.º, n.º 1, e 36.º, n.º 1, da Constituição). A tais direitos entende o recorrente dever contrapor-se – e sobrepor-se – o direito do pretenso progenitor à respetiva autodeterminação parental, enquanto refração do direito ao livre desenvolvimento da personali- dade (artigo 26.º, n.º 1, da Constituição), na dimensão relativa à recusa do estabelecimento do vínculo da paternidade ou à impossibilidade da respetiva constituição contra a vontade do mesmo. De acordo com a tese defendida pelo recorrente, as razões subjacentes ao reconhecimento da autodeter- minação parental da mulher que conduziram a ter por constitucionalmente viável a interrupção voluntária da gravidez, por opção daquela, até à décima semana de gestação, nos termos e sob os pressupostos estabeleci- dos na Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, deverão valer, em idêntica medida, para a autodeterminação parental do homem, impondo que se lhe reconheça a faculdade de se opor livremente à constituição do vínculo da paternidade, sob pena de discriminação em razão do sexo. Partindo do pressuposto de que a liberdade do homem em não se tornar juridicamente pai de um filho biológico indesejado deverá ser exatamente igual à liberdade já reconhecida à mulher de interromper voluntariamente a gravidez até à décima semana de gestação, o recorrente considera, em suma, que a norma impugnada, ao permitir que se proceda ao reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor, introduz uma diferenciação em matéria de liberdade de constituição de vínculos incom- patível com o princípio da igualdade em razão do sexo, consagrado no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição. 10. Amplamente entendido, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição encerra três distintas dimensões, a que correspondem, no plano operativo, diferentes metódicas de controlo. Trata-se: (i) da proibição do arbítrio (cfr. n.º 1 do artigo 13.º); (ii) da proibição de discriminação (cfr. n.º 2 do artigo 13.º); e (iii) da obrigação de diferenciação, como forma de compensação das desigualdades fácticas. Tal como caracterizada pelo recorrente, a inconstitucionalidade apontada à solução emergente dos arti- gos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do Código Civil prende-se diretamente com a proibição de discriminação consa- grada no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição. Em termos absolutos, a proibição de discriminação constante do n.º 2 do artigo 13.º da Constituição aponta para a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em algum dos «critérios subje- tivos» ali enumerados – incluindo, portanto, o relativo ao “sexo” (cfr. Acórdãos n. os 412/02 e 569/08). Conforme se extrai da jurisprudência deste Tribunal (cfr. Acórdão n.º 157/18), verificar se o tratamento diferenciador dispensado a determinado grupo de sujeitos tem ou não subjacente qualquer uma das “cate- gorias suspeitas” identificadas no n.º 2 do artigo 13.º da Constituição – o que faria presumir a presença de uma discriminação constitucionalmente inadmissível –, implica, neste como em todos os demais casos, um processo de comparação entre as situações ou categorias postadas (“par comparativo” e “grupo alvo”) em face de um termo de comparação – o «“terceiro (elemento) da comparação”» –, que corresponde «à qualidade ou característica que é comum às situações ou objetos a comparar» (cfr. Acórdão n.º 362/16). E implica também que tal comparação seja levada a cabo tomando em consideração a ratio do tratamento jurídico a que cada uma das categorias ou situações em comparação é submetida: conforme se escreveu no Acórdão n.º 232/03, «“[e]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado diretamente pela ratio do tratamento
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=