TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
185 acórdão n.º 465/18 jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurí- dico […]” (cfr. «Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula ‘carregada’ de sentido?», in separata do Boletim do Ministério da Justiça , n.º 358, Lisboa, 1987, p. 27)»; a ratio do tratamento jurídico apresenta-se, por isso, como «“(…) o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério”» relevante para a formulação do juízo a que enseja o princípio da igualdade ( idem ). Saber se e em que medida a solução impugnada introduz um efetivo tratamento desigual entre as categorias que relevam no presente caso, pressupõe, assim, a determinação prévia do respetivo critério de comparabilidade. Estando em causa a possibilidade de reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pre- tenso progenitor, tal critério só poderá encontrar-se nos pressupostos em presença dos quais é juridicamente admissível o estabelecimento coercivo da filiação biológica nos casos em que uma pessoa com progenitor – pai ou mãe – desconhecido vê reunidas as condições para a fixação do seu parentesco sanguíneo. Assim colocada a questão, facilmente se percebe que, tal como assinalado na declaração de voto aposta ao Acórdão n.º 346/15, as situações do homem e da mulher são iguais: fundado, além do mais, no interesse público na fixação do parentesco sanguíneo e na coincidência entre a verdade jurídica e a verdade biológica, o reconhecimento judicial da filiação (seja da paternidade ou da maternidade biológicas) pode ocorrer contra a vontade do pretenso progenitor (pai ou mãe biológicos) através da averiguação oficiosa ou em resultado de ação especialmente intentada pelo filho para esse efeito – é o que resulta, quanto ao pretenso pai, dos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do CC, e relativamente à pretensa mãe dos artigos 1808.º, n.º 4, e 1814.º do mesmo diploma legal. Assim identificado, o critério de comparação relevante – postado, conforme se viu, pela qualidade ou característica comum às situações ou objetos a comparar –, coincide com a ratio subjacente ao regime de esta- belecimento da filiação biológica contra a (ou independentemente da) vontade dos pretensos progenitores, o qual responde, por sua vez, à necessidade de salvaguarda do direito fundamental à identidade pessoal do filho ou filha que desconhece a identidade de um ou ambos os seus progenitores, e do seu direito fundamental em ver constituídos os correspondentes vínculos familiares, direitos estes de cuja concretização resulta para os possíveis progenitores uma posição jurídica necessariamente passiva. Em face do princípio da proibição da discriminação em razão do sexo, convocado pelo recorrente, o potencial diferenciador da norma questionada é, por isso, inexistente ou nulo: estando em causa, em ambos os casos, o estabelecimento da parentalidade de um filho já nascido, a solução que emerge dos artigos 1865.º, n.º 5, e 1869.º do CC permite o reconhecimento da paternidade contra a vontade do pretenso pai em con- dições que não são para este mais onerosas do que aquelas em que, de acordo com o disposto nos artigos 1808.º, n.º 4, e 1814.º do referido Código, a pretensa mãe pode ver-lhe atribuída a maternidade de um filho biologicamente seu, sem que isso corresponda ao seu interesse ou vontade. À luz do critério de comparabilidade aplicável – cujo referente é, repete-se, o estabelecimento da filiação biológica nos casos em que a mesma é desconhecida –, inexiste, em suma, qualquer diferença entre o trata- mento que o ordenamento jurídico dispensa ao pretenso pai e aquele a que sujeita a pretensa mãe na medida em que, conforme se viu, é possível proceder ao reconhecimento judicial da filiação – seja a paternidade ou a maternidade biológicas – contra a vontade de qualquer dos progenitores biológicos. Sendo esta a ponderação para que remete o juízo a formular sob incidência do artigo 13.º, n.º 2, da Constituição, bem se vê que a tese defendida pelo ora recorrente, construída com apelo ao regime jurídico da interrupção voluntária da gravidez, tal como aprovado pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, não só não traduz os verdadeiros termos em que a comparação de posições jurídicas deve ter lugar, como remete para um âmbito problemático inteiramente diverso. 11. Na situação fáctica e valorativa objeto de ponderação no âmbito do regime previsto para a interrup- ção voluntária da gravidez, é possível identificar uma antinomia entre o direito à vida e à proteção da vida intrauterina, por um lado, e o direito à autodeterminação da gestante, por outro. Ao invés, no âmbito do
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