TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
186 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso progenitor, o conflito regista-se entre o direito à identidade pessoal do filho que desconhece a identidade do seu progenitor e o seu direito a consti- tuir família, de um lado, e o direito à identidade pessoal, na sua dimensão de autodeterminação negativa, do progenitor paterno, do outro. É por isso que, sob incidência do regime jurídico da interrupção voluntária da gravidez, aprovado pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, a comparação entre a posição jurídica do pretenso pai e a posição jurídica da pretensa mãe relativamente à concretização da parentalidade, a ter lugar, só poderá ser realizada nos termos em foi levada a cabo no Acórdão n.º 75/10. São eles os seguintes: «11.8.5. De um modo geral, pode dizer-se que o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de todas e quaisquer distinções, mas apenas daquelas que se revelem materialmente infundadas e careçam, por isso, de justificação objetiva e racional (neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão n.º 250/00). Se assim é, a questão que se coloca poderá enunciar-se da seguinte forma: A inexigibilidade do consentimento do progenitor para a realização da interrupção da gravidez con- templada na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal exprime, em confronto com a suficiência do consentimento da grávida, uma distinção materialmente infundada, carecida de justificação objetiva e racional e, por isso, violadora do princípio da igualdade dos progenitores? No Acórdão n.º 25/84, o Tribunal Constitucional concluiu que o princípio da igualdade de ambos os cônjuges à manutenção dos filhos (artigo 36.º, n.º 3, da Constituição) não era infringido por uma norma legal que apenas exigia o consentimento da mulher grávida para efeitos de interrupção da gravidez. Estava então em causa a apreciação, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, das normas constantes dos artigos 140.º e 141.º do Código Penal, na redação que lhes viria a ser conferida pelo artigo 1.º da Lei n.º 6/84, de 11 de maio, ou seja, das alterações ao regime penal do aborto que introduziram no ordenamento jurídico penal português as chamadas “causas de exclusão da ilicitude”, correspondentes ao modelo de indicações. Tal orientação é de manter no âmbito da fattispecie prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, na redação introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 16/2007, de 17 de abril. Na verdade, a colocação da possibilidade de realização da interrupção voluntária da gravidez, com sujei- ção ao regime previsto nessa norma, na dependência do assentimento de ambos os progenitores não poderia deixar de equivaler à atribuição ao progenitor masculino de um direito de veto. Não sendo concebível a previsão da possibilidade de recurso aos tribunais para dirimir uma eventual divergência entre a grávida e o progenitor acerca da realização, nos termos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, de uma interrupção da gravidez desejada pela primeira e indesejada pelo segundo, um princípio de direção conjunta do destino do embrião ou do feto redundaria aqui na atribuição ao progenitor da prerrogativa de, por ato unilateral e discricionário, impedir a aplicação daquela alínea e, com isso, reconvocar a proteção do direito penal, submetendo, com isso, a grávida à ameaça da pena – apesar de esta ter sido considerada, pelo legislador de 2007, instrumento não necessário de tutela da vida intra- -uterina até às 10 semanas de gravidez. Deste ponto de vista, pode dizer-se que a solução normativa consistente na inexigibilidade do consen- timento do progenitor para a realização da interrupção da gravidez prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal não envolve qualquer desqualificação arbitrária da paternidade enquanto valor social eminente, nem se apresenta carecida de justificação objetiva e racional, em termos de poder ser considerada violadora do princípio da igualdade. A solução está, por assim dizer, na “natureza das coisas”, por condicio- nada pela realidade biológica da gestação humana. Sendo assim, é de concluir que a norma extraída dos n. os 1, alínea e) , e 4, alínea b) , do artigo 142.º do Código Penal, na redação do artigo 1.º da Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, consistente na suficiência do
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