TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
187 acórdão n.º 465/18 consentimento da mulher grávida para a exclusão da punibilidade da interrupção da gravidez efetuada por opção daquela, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e por médico ou sob a sua direção, dentro das 10 primeiras semanas de gravidez, dispensando o do progenitor, não deve ser considerada inconstitucional. 12. Os fundamentos com base nos quais se concluiu pela compatibilidade com o princípio da igualdade da inexigibilidade do consentimento do progenitor para a realização da interrupção voluntária da gravidez realizada por opção da gestante nas dez primeiras semanas de gravidez conduzem, por maioria de razão, à mesma exata conclusão, se os dados do problema forem os inversos: se não é constitucionalmente censurável, em face do princípio da igualdade, a dispensa do consentimento do progenitor para a exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez realizada nas condições previstas no artigo 142.º, n.º 1, alínea e) , do Código Penal, jamais o poderia ser, até pelos demais direitos envolvidos, a possibilidade de a gestante, por decisão unilateral sua, prosseguir com a gravidez, não obstante a vontade do progenitor no sentido de que lhe seja posto termo. A “lógica de compensação” subjacente à argumentação articulada pelo recorrente não só confunde planos problemáticos distintos – cada um com as suas valorações próprias, autónomas e incomunicáveis –, como admite que o princípio da igualdade, em particular a proibição de discriminação em razão do sexo, possa servir de fundamento para projetar sobre a identidade pessoal da pessoa nascida, negando-lhe o direito ao vínculo jurídico da paternidade, a falta de anuência do progenitor ao prosseguimento da gestação, quando manifestada nas dez primeiras semanas de gravidez. Tal como se sublinhou no Acórdão n.º 346/15, já citado, tal linha argumentativa incorre num erro de princípio, na medida em que a composição de interesses e valores em jogo na definição da licitude penal do ato de interrupção voluntária da gravidez por parte da mulher é substancialmente diversa daquela que pre- side aos termos em que pode ser definida a participação do homem no estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade de criança já nascida. A tal propósito, escreveu-se em tal aresto o seguinte: «Na verdade, naquela primeira situação está sobretudo em discussão a possibilidade do legislador preferir, como meio de proteção da vida intrauterina numa fase inicial da gravidez em que a mulher e o nascituro ainda se apresentam como uma unidade, “ganhar” a grávida para a solução da preservação da potencialidade de vida, através da promoção de uma decisão refletida, mas deixada, em último termo, à sua responsabilidade, em vez de optar pela crua ameaça com uma punição criminal, de resultado comprovadamente fracassado (cfr. Acórdão n.º 75/10, acessível em www.tribunalconstitucional.pt ) . O reconhecimento de autonomia decisória à mulher sobre o prosseguimento da gravidez, exercido em determinadas circunstâncias previstas na lei, não resulta de uma supe- riorização do direito à autodeterminação, funcionando antes esse reconhecimento como uma via alternativa de proteção ao nascituro recém-concebido. Daí que sejam totalmente imprestáveis os fundamentos que presidiram à solução consagrada na Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, para fundamentar um pretenso direito do homem a rejeitar a paternidade de filho após o seu nascimento. Por igual razão não colhe a alegação de que o facto do reconhecimento jurídico da paternidade poder ser efe- tuado sem o consentimento do pai, constitui uma descriminação em razão do sexo, proibida pelo artigo 13.º, n.º 2, da Constituição, face à possibilidade conferida à mãe de, por sua decisão, interromper a gravidez nas primeiras dez semanas, uma vez que não estamos perante situações valorativamente iguais, sob nenhum ponto de vista, pelo que não é possível identificar um termo de comparação que permita fazer operar o princípio da igualdade. Este princípio já foi convocado na verificação da constitucionalidade da própria solução introduzida pela Lei n.º 16/2007, de 17 de abril, com fundamento na omissão da exigência de participação do progenitor masculino no processo de formação da decisão sobre a interrupção da gravidez, existindo aí efetivamente uma identidade valorativa de situações. (…)
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