TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

188 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Ora, tendo-se entendido que existia uma justificação para um tratamento diferenciado dos progenitores na decisão de prosseguimento da gravidez nas primeiras dez semanas, não faz qualquer sentido que, numa pretensa lógica de compensação, aquele a quem não se assegurou a participação naquela decisão, fique liberto do dever de assumir a paternidade do filho que entretanto nasceu, sob invocação do princípio da igualdade. Tal solução não só não é exigida pelo princípio da igualdade, o qual tem como pressuposto a qualificação das situações em com- paração como iguais, como seria ela própria geradora de desigualdade e redundaria num sacrifício injustificado do direito fundamental de uma pessoa já nascida ver estabelecido o vínculo jurídico da paternidade.» 13. Excluída qualquer possibilidade de censura da norma impugnada com base no princípio da igual- dade, resta verificar se, em si mesma, a possibilidade de reconhecimento judicial da paternidade contra a vontade do pretenso pai conflitua, em alguma medida, com a ordem jurídico constitucional. A resposta – pode adiantar-se desde já – é necessariamente negativa. Conforme sublinhado no Acórdão n.º 346/15, apesar de o direito do filho ao estabelecimento do vín- culo jurídico da paternidade, em correspondência com a verdade biológica, não ser absoluto – «o que leva a que possa ser confrontado com valores con-flituantes, podendo estes exigir uma tarefa de harmonização dos interesses em oposição, ou mesmo a sua restrição ( v. g. artigos 1987.º do Código Civil, 10.º, n.º 2, e 21.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, ou o estabelecimento de prazos de prescrição no artigo 1817.º do Código Civil)» –, o certo é que «o seu conteúdo exige necessariamente uma situação de sujeição do progenitor, ao qual não assiste um espaço de autodeterminação pela negativa». O direito do filho ao estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade é, por isso, «incompatível com um reconhecimento da autodeterminação parental neste domínio». Vale isto por dizer que, mesmo a admitir-se que a solução extraída do n.º 5 do artigo 1865.º e do artigo 1869.º do CC pudesse envolver algum tipo de afetação do direito à identidade pessoal do pai, sempre seria a todos os títulos evidente que se trataria de uma restrição inteiramente consentida pelo princípio da proibição do excesso, consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. 14. De acordo com o entendimento reiteradamente afirmado na jurisprudência deste Tribunal, o prin- cípio da proibição do excesso desdobra-se em três subprincípios, a saber: (i) aptidão ou idoneidade; (ii) necessidade ou indispensabilidade; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito ou justa medida (a título meramente ilustrativo, cfr. os Acórdãos n.º 187/01, n.º 632/08). Daqueles dois primeiros pontos de vista, não subsiste qualquer dúvida de que, no atual ordenamento jurídico português, a ação de investigação de paternidade prevista no n.º 5 do artigo 1865.º e artigo 1869.º do CC não apenas se mostra apta ao fim pretendido – o estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade biológica –, como constitui o único meio destinado à efetivação de tal direito, sendo também o meio mais eficaz de concretização do direito ao conhecimento da ascendência biologicamente verdadeira quando o suposto pai recusa qualquer colaboração, o que denota a sua indispensabilidade. A mesma conclusão é válida também no plano na proporcionalidade em sentido estrito, na medida em que, do ponto de vista da relação entre o nível de proteção alcançado e a restrição infligida ao direito do pre- tenso progenitor, o meio selecionado pelo Estado para o estabelecimento do vínculo da paternidade jamais se poderá considerar exagerado ou excessivo. O aspeto decisivo do juízo ponderativo para que remete a solução impugnada reside na condição de maior fragilidade que caracteriza, de forma indelével, a situação em que se encontram os filhos cuja pater- nidade – ou maternalidade – se não ache estabelecida, o que justifica e impõe ao Estado uma mais intensa proteção, tanto fáctica quanto normativa, dos seus direitos fundamentais. Considerado o insubstituível papel que o estabelecimento do vínculo jurídico da paternidade desempenha na caracterização individualizadora de uma pessoa na vida em sociedade, bem como o facto de o direito a constituir família implicar necessaria- mente a possibilidade de assunção plena de todos os direitos e deveres decorrentes de uma ligação familiar suscetível de ser juridicamente reconhecida, a única conclusão possível é a de que a tutela do direito do filho

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