TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
197 acórdão n.º 466/18 de ações destinadas ao exercício do direito de compensação contra o devedor insolvente. Porém, trata-se aqui de uma redução legítima do objeto, calibrada em função da questão de fundo apreciada nos presentes autos. Com efeito, o que neles se discute não é a impossibilidade, em geral, de ações declarativas contra o devedor insolvente, mas da impossibilidade de ações que visam a compensação de créditos; a norma efetivamente aplicada na decisão recorrida tem este alcance mais restrito, e foi nesse âmbito específico que o tribunal a quo apreciou as questões, quer de direito ordinário, quer de direito constitucional, que se lhe colocaram. A segunda nota para delimitar o âmbito da cognição do Tribunal Constitucional nos presentes autos. Nas alegações do recurso, os recorrentes questionam o acerto do entendimento, perfilhado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, segundo o qual as ações de compensação de créditos contra a massa insolvente se subsu- mem no conceito de ação declarativa destinada ao reconhecimento de crédito, sendo-lhes, por essa razão, aplicável a jurisprudência firmada no acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de maio de 2013. Com efeito, nas alegações de recurso, insistem que a ação por elas proposta, visando a compensação de créditos, constitui uma ação de simples apreciação negativa, excluída do âmbito de aplicação das dispo- sições do CIRE que impõem o exercício dos direitos de crédito sobre o devedor insolvente no âmbito do processo de insolvência, tal como interpretadas naquele acórdão de uniformização. Ora, esta questão – que ocupa grande parte das alegações e contra-alegações – excede os poderes de cognição do Tribunal Consti- tucional, na medida em que diz respeito à correta interpretação e aplicação do direito ordinário. A única questão que cabe apreciar no âmbito do presente recurso é a de saber se a interpretação da lei perfilhada na decisão recorrida, que este Tribunal toma como um dado insindicável, viola o direito de acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva do credor compensante. B. Do mérito 9. A questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos tem muitas afinidades com a deci- dida por este Tribunal no Acórdão n.º 46/14, que não julgou inconstitucional «a interpretação normativa de acordo com a qual, transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide …». Nesse processo, havia sido proposta ação visando o reconhecimento de crédito emergente de contrato de trabalho, tendo a instância sido julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, em virtude do trânsito em julgado de sentença declarando a insolvência da ré. Muito embora, em tal ocasião, o recurso de constitucionalidade tenha incidido sobre a norma, extraída do Código de Processo Civil, que prescreve a extinção da instância, e não sobre a norma, extraída do CIRE, que impõe que o reconhecimento de créditos sobre o devedor insolvente se faça no âmbito do processo de insolvência, a questão discutida pelo Tribunal foi, nos seus traços essenciais, a mesma que se coloca no presente recurso. Com efeito, o fundamento da inutilidade superveniente da lide, no que respeita a ações declarativas de créditos sobre o devedor insolvente, é precisamente a natureza universal e coletiva do processo de insolvência, fundada no princípio par conditio creditorum . Sobre a suposta violação do artigo 20.º da Constituição, escreveu-se no referido aresto: «O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), em termos efetivos, o que comporta o direito à decisão da causa em prazo razoável (n.º 4), impondo-se especificamente ao legislador que, para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, assegure procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos (n.º 5). A jurisprudência do Tribunal Constitucional encontra-se consolidada na consideração de que o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional implica a garantia de uma proteção jurisdicional eficaz ou de uma
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