TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
203 acórdão n.º 470/18 3. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, transcrevendo as alegações apresentadas no processo n.º 136/17, no qual foi proferido o Acórdão n.º 397/17, onde sustentou o seguinte: 1.ª – O presente recurso do Ministério Público vem interposto do despacho do 1.º Juízo do Tribunal de Con- corrência, Regulação e Supervisão, de 2 de outubro de 2015, proferido no Proc. 273/15.4YUSTR, na parte em que «recusa a aplicação conjugada das normas plasmadas no artigo 84.º, n.º 4 e 5, do Regime Jurídico da Con- corrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio) com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, 268.º, n.º 4, 32.º, n.º 10 e 2.º, todos da Constituição da República Portuguesa», atribuindo efeito suspensivo, sem determinar a prestação de caução, ao recurso da decisão final sancionatória da Autoridade da Concorrência. 2.ª – A atribuição, como regra, de efeito meramente devolutivo ao recurso de decisões sancionatórias proferidas pela Autoridade de Concorrência em processos contraordenacionais vai ao arrepio do regime geral nos domínios contraordenacional e penal, mas encontra paralelismo no regime de recursos das decisões de outras entidades admi- nistrativas independentes e, na administração direta do Estado, de recursos das sentenças, em matéria de coimas aplicadas pela Administração Tributária e Aduaneira. 3.ª – O anterior Regime Jurídico da Concorrência, constante da Lei 18/2003, de 11 de junho (revogada pela Lei 19/2012, cit.) dispunha, ao invés, no n.º 1 do art. 50.º: «Das decisões proferidas pela autoridade que deter- minem a aplicação de coimas ou de outras sanções previstas na lei cabe recurso para o tribunal da concorrência, regulação e supervisão, com efeito suspensivo». 4.ª – A Exposição de Motivos da Proposta de Lei 45/XII, que está na base da Lei 19/2012, dimensiona a insti- tuição do novo regime, nos seguintes termos: «Esta reformulação completa do Regime Jurídico da Concorrência é, por conseguinte, oportuna, necessária e adequada por quatro razões: Em primeiro lugar porque faz parte do pro- grama do atual Governo, em segundo lugar, porque visa cumprir medidas constantes do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), em terceiro lugar, porque responde à evolução entretanto verificada na legislação e jurisprudência da União Europeia em matérias de promoção e defesa da concorrência e, por último, porque reflete a experiência e o balanço da atividade desenvolvida no domínio da defesa e promoção da concorrência, por parte da Autoridade da Concorrência e dos Tribunais de recurso competentes». 5.ª – Do Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, para que remetem os passos transcritos da Exposição de Motivos da Proposta de Lei 45/XII, constava, designadamente, do ponto 7.20: «Propor uma revisão da Lei da Concorrência, tornando‐a o mais autónoma possível do Direito Administra- tivo e do Código do Processo Penal e mais harmonizada com o enquadramento legal da concorrência da UE, em particular»; «Simplificar a lei, separando claramente as regras sobre a aplicação de procedimentos de concorrência das regras de procedimentos penais, no sentido de assegurar a aplicação efetiva da Lei da Concorrência» e «Avaliar o processo de recurso e ajustá‐lo onde necessário para aumentar a equidade e a eficiência em termos das regras vigentes e da adequação dos procedimentos». 6.ª – À luz dos trabalhos preparatórios publicitados da Lei 19/2012, a operada alteração do regime dos recur- sos, em desvio ao sistema geral em matéria contraordenacional e penal, vem, pois, genericamente enquadrada no propósito expresso de «aumentar a equidade, a celeridade e a eficiência dos procedimentos de recurso judicial de decisões da Autoridade da Concorrência», com separação clara das regras processuais penais e «harmonizada com o enquadramento legal da concorrência da UE». 7.ª – Assim, o art. 88.º, n.º 1 da Lei 19/2012, com similar redação à do art. 31.º do Regulamento do (CE) 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, elimina a proibição da reformatio in pejus . E a ausência de efeito suspensivo, agora constante do n.º 4 do art. 84.º da mesma lei, caracteriza o recurso das decisões da Comissão, incluídas as de aplicação de coimas, podendo todavia o Tribunal atribuí-lo, «se considerar que as circunstâncias o exigem», nos termos do art. 278.º do TFUE. 8.ª – É sobre o novo regime do recurso, tal como passou a constar do n.º 5 do art. 84.º da Lei 19/2012 (tendo, conexamente, como pano de fundo, o disposto no n.º 4 do mesmo artigo), que incide o juízo de inconstituciona- lidade contido na decisão recorrida.
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