TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

208 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 18.º – Não fazendo qualquer diferença entre os dois regimes o facto de o artigo 228.º-A do RGICSF dispensar a garantia no caso de insuficiência de meios, dado que a previsão desta dispensa no caso do processo executivo seria irrelevante na medida em que o executado que não tivesse meios para prestar caução também não teria meios para pagar a dívida exequenda, pelo que a previsão dessa eventualidade de dispensa de prestação de caução no processo civil executivo seria como se costuma dizer uma soma de parcelas com produto zero. 19.º – Significa isto que o legislador ordinário colocou materialmente o regime dos recursos no processo con- traordenacional do RGICSF no mesmo plano do regime civil da oposição à execução, o que constitui uma restrição inadmissível do ponto de vista do direito constitucional na sua vertente dos direitos e garantias enformadores do direito contraordenacional. 20.º – Se é certo que as contraordenações não têm juridicamente a dignidade das infrações penais, por serem delitos de natureza administrativa, não deixa de ser uma realidade inquestionável que a perceção pública e até a dimensão jurídica das contraordenações adquiriu nos tempos mais recentes uma dimensão reforçada, sobretudo pela dimensão das sanções aplicáveis, como sucede no caso do RGICSF, em muitos casos superiores às multas penais, o que levou até o legislador ordinário a reforçar em muitos regimes contraordenacionais sectoriais os direi- tos de defesa dos arguidos, quando comparados com o regime previsto no RGCO. 21.º – Este reforço da dimensão dos direitos de defesa dos arguidos nesses regimes contraordenacionais secto- riais resultou da necessidade de fazer respeitar os comandos constitucionais em sede contraordenacional, nomea- damente o direito a uma defesa justa e equitativa com ampliação, por exemplo, da fase de instrução no processo administrativo de contraordenação, o que releva a dimensão que esses direitos devem assumir e se encontra em manifesta contradição e conflito com a restrição ao direito ao recurso que resulta das condições impostas pelo artigo 228.º-A do RGICSF. 22.º – A restrição imposta pelo artigo 228.º-A do RGICSF não é consequentemente admissível do ponto de vista dos princípios constitucionais, pois introduz restrições inaceitáveis do ponto de vista do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, pois, desde logo, quem tenha de suportar custos de garantia para recorrer não exerce esse direito em plena liberdade. 23.º – Sendo que a possibilidade de dispensa da prestação de garantia por insuficiência de meios não constitui um mecanismo suficiente nem adequado para eliminar esta restrição à liberdade de exercício do direito de recurso, pois trata-se de uma solução legislativa meramente teórica e que encara a realidade económica de um ponto de vista estático e abstrato: a insuficiência de meios para prestar garantia pode não se verificar no momento dessa prestação, mas ser causadora no momento imediato de uma impossibilidade financeira de funcionamento de uma empresa ou de um particular sujeito à supervisão do Banco de Portugal. 24.º – Basta pensar que a obtenção de uma garantia bancária para garantir o pagamento de metade de uma coima de 5 milhões de euros (2,5 milhões de euros) pode bloquear no imediato ou no curto prazo o acesso a crédito bancário pela entidade requerente da garantia, não só pela responsabilidade bancária assumida, como pelo registo da mesma no seu balanço, situação que não se verificaria se a garantia não tivesse de ser prestada. 25.º – O que obviamente condicionará e muito a liberdade de exercício do direito de recurso e de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva. 26.º – Podendo, por isso, dizer-se que só recorrerá nestas condições quem tenha a certeza ou quase a certeza de ter vencimento no recurso, pois, de outro modo, aos custos da sanção acrescerão os custos da garantia, que nunca recuperará, em qualquer caso, dado que o legislador não previu no RGICSF a indemnização ao recorrente dos custos da garantia no caso de vencimento deste, o que é manifestamente desproporcional na solução legislativa. 27.º – Neste sentido o Tribunal Constitucional decidiu recentemente no seu Acórdão n.º 280/17, ser incons- titucional a norma que subordina a reclamação da conta de custas em processo civil ao depósito prévio do valor da nota. 28.º – A restrição imposta pelo artigo 228.º-A do RGICSF equivale também mais a uma posição de princípio sobre a correção da decisão administrativa, cuja execução imediata se torna a regra, com clara afetação do princípio da presunção de inocência do arguido e, menos, a uma solução legislativa indispensável à limitação dos recursos judiciais infundados,

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=