TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
215 acórdão n.º 470/18 jurídica e consequente execução, pelo que não se pode afirmar que o efeito meramente devolutivo da impugnação judicial importe qualquer prejuízo adicional e específico para o impugnante, em matéria de acesso à justiça. 13. Nada no regime consagrado nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE restringe, pois, o direito à tutela jurisdi- cional efetiva, na vertente do direito de acesso aos tribunais. Porém, pode ainda assim representar – como sublinha a decisão recorrida – uma ablação do mesmo direito na vertente da efetividade da tutela jurisdicional, ou seja, do direito a que a procedência da impugnação importe a reintegração, restauração ou reconstituição da situação juridicamente devida – a eliminação de todos os efeitos de facto da decisão inválida –, por oposição à mera vitória moral em juízo e ao efeito mitigador da tutela secundária ou por sucedâneo do lesado. Com efeito, a regra do efeito exclusivamente devolutivo da impugnação judicial não compromete a efetividade da tutela jurisdicional apenas quando a procedência daquela permite a reversão integral dos efeitos da execução da sanção. Tal como a lei a consagra, porém, a regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial acautela, em princípio, o interesse do impugnante na efetividade da tutela jurisdicional. Fá-lo por três formas principais. Em primeiro lugar, limitando o âmbito de aplicação da regra do efeito meramente devolutivo da impugnação judicial às decisões sancionatórias aplicativas de coima; constituindo as coimas sanções exclusivamente pecuniárias, e sendo o dinheiro um bem radicalmente fungível, a reconstituição da situação devida pode ser, na generalidade dos casos, eficazmente assegurada através da restituição da quantia paga pela entidade sancionada. Situam-se fora do âmbito deste regime, nomeadamente, as sanções acessórias cominadas através das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 35.º do RSSE, cujos efeitos já produzidos, no momento do trânsito em julgado de sentença absolutória, são irreversíveis. Em segundo lugar, a lei estabelece que a ERSE deve, na determinação da medida da coima, atender, inter alia , à situação económica do visado no processo [artigo 32, n.º 1, alínea f ) do RSSE], o que tenderá a evitar situações em que a execução da sanção cause prejuízos cuja reparação não se satisfaça com a eventual restituição da quantia paga. Finalmente, a exceção à regra do efeito meramente devolutivo está prevista precisamente para os casos em que a execução da sanção cause à entidade sancionada prejuízo considerável, casos esses em que o pagamento imediato da coima obsta à efetividade da tutela jurisdicional que o visado procura assegurar através da impugnação da decisão sancionatória. E embora este esteja obrigado a prestar caução substitutiva, a função de garantia que esta deve preen- cher pode revestir formas diversas do depósito de dinheiro, nomeadamente títulos de crédito, garantias bancárias ou garantias reais (vide o artigo 623.º, n. os 1 e 3, do Código Civil). A estes mecanismos de salvaguarda contemplados pelo RSSE, importa acrescentar a possibilidade residual de reparação de danos especiais e anormais da execução da sanção, através da cláusula geral da indemnização pelo sacrifício consagrada no artigo 16.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro. Por tudo isto, é de concluir que a solução consagrada n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, não implica, em prin- cípio, qualquer restrição do direito à efetividade da tutela jurisdicional. 14. Cabe agora confrontar tal regime com o princípio da presunção de inocência, consagrado nos artigos 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição. A primeira questão que, a tal propósito, se coloca, é a de saber se o direito do arguido a que seja presumido inocente até ao trânsito em julgado de sentença de condenação, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, se estende, por força do disposto no n.º 10 do mesmo artigo, aos processos contraordenacionais, no sentido em que o visado deve ser presumido inocente até que a decisão condenatória da Administração se consolide na ordem jurídica ou, caso esta seja impugnada, até que transite em julgado sentença judicial que a confirme. A essa questão não pode deixar de se dar uma resposta afirmativa. Como se escreveu, a esse respeito, no Acór- dão n.º 675/16: «11. O princípio da presunção de inocência pertence àquela classe de princípios materiais do processo penal que, enquanto constitutivos do Estado de direito democrático, são extensíveis ao direito sancionatório
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