TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
216 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL público. Sendo expressão do direito individual das garantias de defesa e de audiência, este princípio encontra, pois, aplicação também no processo contraordenacional, como decorre dos n. os 2 e 10 do artigo 32.º da Cons- tituição. Nestes termos, no processo contraordenacional, como em qualquer outro processo sancionatório, o arguido presume-se inocente até se tornar definitiva a decisão sancionatória contra si proferida, o que, neste caso, se consubstancia no momento em que a decisão administrativa se torne inatacável ou, no caso de impugnação, até ao trânsito em julgado da sentença judicial que dela conhecer. O estatuto processual do arguido no processo contraordenacional, enformado pela garantia da presunção de inocência, permite, por exemplo – e para o que agora releva –, que o tratamento do arguido ao longo de todo o processo seja configurado sem perder de vista a possibilidade de verificação da sua inocência, não sendo de admitir, designadamente, que a autoridade administrativa considere o arguido culpado antes de formalizar o juízo sancionatório de forma necessariamente fundamentada.». Firmada tal premissa, coloca-se agora a questão de saber se o regime consagrado nos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do RSSE, constitui uma restrição do direito da entidade visada pelo procedimento contraordenacional a ser presumida inocente. No Acórdão n.º 675/16, entendeu-se não ser esse o caso, pelas seguintes razões: «(…) Ora, sendo assim, pelo regime delineado não se nega – antes é reconhecido – o direito do arguido impug- nar a decisão sancionatória proferida pela autoridade administrativa e, com o exercício desse direito, continuar a beneficiar do estatuto de inocente. Simplesmente, a suspensão da decisão sancionatória fica dependente do cumprimento de uma garantia imposta pelo legislador. É certo que o efeito meramente devolutivo recurso não impede a instauração de execução da coima fixada pela autoridade administrativa e implica, consequentemente, a possibilidade de penhora do seu património, consolidando no plano factual, e apesar da impugnação contenciosa, o eventual prejuízo do visado. A proce- dência do recurso, não evitará o prejuízo do recorrente nem assegurará a sua plena reparação. O problema de constitucionalidade colocado pela norma desaplicada pelo tribunal a quo não reside, toda- via, na atribuição legal, per se, do efeito meramente devolutivo à impugnação judicial (o recurso) da decisão administrativa sancionatória. Estamos, com efeito, diante de normas que se limitam a estabelecer a disciplina, concretamente o efeito, do recurso da decisão sancionatória, em que a prestação da caução emerge como um ónus para o recorrente que pretenda obter o efeito suspensivo, e não a definição do regime de execução de uma medida antecipatória da sanção administrativamente imposta. A execução da coima é consequência prática do regime que impõe a prestação de caução, não constituindo, porém, o seu conteúdo normativo. Neste domínio, o arguido continua a presumir-se inocente até se tornar definitiva a decisão judicial relativa à impugnação da sanção contra si proferida, pelo menos prima facie . (…)». Todavia, parece difícil negar que a (possibilidade de) execução imediata de uma sanção baseada em condenação administrativa com a qual o visado se não conforma, e que pretende discutir em juízo, atinge o direito à presun- ção de inocência. A extensão do princípio da presunção de inocência aos processos contraordenacionais implica que o arguido deve ser presumido inocente – o que significa, desde logo, que não deverá sofrer qualquer sanção punitiva –, até que se verifiquem umas de duas condições: a consolidação da condenação administrativa pelo facto da sua não impugnação dentro do prazo previsto na lei ou a confirmação da condenação administrativa no âmbito de recurso judicial interposto pelo arguido. A execução da sanção pressupõe a «culpa» do visado, a qual é inevitavelmente presumida sempre que a condenação encerre um juízo de responsabilidade que a ordem jurídica reputa provisório, ainda para mais quando seja proferido por uma entidade administrativa. Em suma, a solução legal permite que o arguido apenas provisoriamente condenado seja sujeito a tratamento idêntico ao do arguido cuja condenação é definitiva.
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