TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

218 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL sanções e na dissuasão do recurso aos tribunais com intuito dilatório (vide os Acórdãos n. os 376/16, 674/16 e 675/16). De resto, sempre que as finalidades de uma solução legal não sejam explicitadas pelo legislador – como é o caso –, sem que o intérprete deixe de as discernir através de um juízo de racionalidade instrumental, encontra-se, por regra, preenchido o requisito da idoneidade da medida. É o que revelam, no caso vertente, as seguintes palavras do Acórdão n.º 376/16: «[a]ntecipa-se, sem dificuldade, que o legislador, na modelação do regime de impugnação das decisões sancionatórias proferidas por tais entidades administrativas, tenha ponderado a necessidade de confe- rir maior eficácia aos respetivos poderes sancionatórios…». A controvérsia incide sobre a exigibilidade e a proporcionalidade da medida. No Acórdão n.º 675/16, conclui-se pela desnecessidade da regra do efeito meramente devolutivo da impugna- ção judicial da decisão sancionatória aplicativa de coima: «[N]o caso, existem outras medidas que podem servir eficazmente de desincentivo ao recurso à impugna- ção judicial manifestamente infundada: desde logo, a consagração da reformatio in pejus (artigo 88.º, n.º 1, da LdC). Como salientado por José Lobo Moutinho, é «patente que essa admissão condiciona o exercício do direito ao recurso ou à impugnação, levando o arguido administrativamente condenado a ter medo de se pre- judicar com o recurso ou impugnação e criando-lhe, assim, uma forte inibição que o levará a evitar os recursos» (“A reformatio in pejus no processo de contraordenações”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Nuno José Espinosa Gomes da Silva , vol. 1, Universidade Católica Editora, pp. 421-452, p. 437). (…)». Também a decisão recorrida considera a medida inexigível, argumentando, essencialmente, nos seguintes termos: «[A] execução antecipada das sanções, assente em desideratos cautelares e sem uma aferição concreta de um fundado receio de incumprimento, podendo ser eficaz, é demasiado gravosa. Efetivamente, o legislador dispunha de meios menos gravosos para atingir as referidas finalidades cautelares, designadamente por via de medidas de garantia patrimonial, semelhantes à caução económica prevista no art. 227.º, do CPP e que assen- tam num fundado receio casuisticamente aferido.» Todavia, há argumentos que parecem impor a conclusão contrária. Por um lado, a admissibilidade da reformatio in pejus , consagrada no n.º 1 do artigo 50.º do RSSE, não pode ser vista como uma alternativa igualmente eficaz e menos lesiva à regra do efeito meramente devolutivo da impugna- ção judicial: quer seja porque ela surge, no quadro legal, não como uma solução alternativa, mas como uma medida suplementar ou cumulativa, para dissuadir a impugnação judicial; quer seja porque ela não permite alcançar outro dos desideratos da medida sob escrutínio, a garantia do cumprimento da sanção; quer seja, finalmente, porque é tudo menos evidente que se trate de uma medida menos lesiva do que a regra do efeito meramente devolutivo – sendo certo, em todo o caso, que é uma medida cujo alcance restritivo é de natureza diversa, atingindo, sobretudo, o direito de acesso aos tribunais. Neste contexto, de incerteza sobre a função, a eficácia e a lesividade relativas das medidas sujeitas a comparação, cabe respeitar a liberdade do legislador de adotar a solução que entenda necessária. Por outro lado, a solução alternativa proposta pelo tribunal recorrido – o recurso a medidas de garantia patri- monial do cumprimento da sanção –, pese embora apta a prosseguir as finalidades cautelares ou de garantia da não suspensão da execução da sanção, não permite decerto alcançar, pelo menos com a eficácia pretendida pelo legisla- dor, o objetivo fundamental de dissuadir o recurso aos tribunais com intuito dilatório. Nestes termos, é impossível concluir que a regra do efeito meramente devolutivo é inexigível. Também parece ser de recusar a ideia, desenvolvida nos Acórdãos n. os 674/16 e 675/16, de que é dispensável às finalidades da medida a imposição da prestação de caução substitutiva como condição necessária da suspensão da execução da sanção. «[U]ma tal automaticidade – escreveu-se nesses arestos – não consente a devida ponderação circunstanciada do caso, designadamente para efeitos de avaliação da exigibilidade da prestação de uma caução de montante igual ao da coima para prevenção de eventuais perigos que se imponha acautelar e que podem encontrar mecanismo alternativo nas medidas provisórias.»

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