TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
22 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL kk) Deste modo, distribuir-se-iam horários incompletos a docentes de carreira com direito a auferir a totalidade do salário, ao mesmo tempo que se permitiria a contratação de docentes com um salário reduzido à luz do critério de proporcionalidade referido no n.º 35 deste requerimento, sem nenhuma diferença em termos de prestação de trabalho, já que desempenhariam as mesmas funções em termos de quantidade e qualidade. ll) Por outro lado, a aplicação da mesma norma criaria, igualmente, desigualdades entre docentes efetivos: um docente efetivo a quem em concurso de mobilidade interna fosse atribuído um horário incompleto, auferiria o mesmo salário integral que seria percebido por outro docente efetivo que, pela sua manifestação de preferência em mobilidade interna, ficasse obrigado a um horário completo. mm) Em concreto, dois docentes efetivos, que auferissem a mesma retribuição e prestassem trabalho da mesma natureza e qualidade, ficariam sujeitos a quantidades diferentes de trabalho, quando seria possível que ambos ficassem sujeitos a quantidades iguais. nn) Os efeitos discriminatórios que defluem da norma impugnada ferem o princípio do direito à retribuição segundo a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado, princípio enunciado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da CRP, dado que: a. O princípio da igualdade [artigo 13.º, com refração na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP] vincula entidades privadas e públicas (n.º 1 do artigo 18.º da CRP) com especial relevo para estas últimas; b. O direito de justa retribuição no trabalho implica que esta “deva ser conforme à quantidade de trabalho (a sua duração e intensidade); à natureza do trabalho (tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou peri- gosidade); e à qualidade do trabalho (de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade (8)”: daqui resulta que lia trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salário igual, proibindo-se, desde logo, as discriminações entre trabalhadores’”; c. Parece evidente que os efeitos normativos decorrentes do disposto no novo n.º 6 do artigo 5.º do Decreto- -Lei n.º 15/2018, de 7 de março, nomeadamente os que foram expostos nos n. os 33.º a 39.º do presente requerimento, violam o princípio ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, já que geram desigual- dades salariais e de quantidade de trabalho, materialmente infundadas, entre docentes; oo) Na medida que se reconhece que o direito ou garantia de viés social, ínsito na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, assume estruturalmente natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (10), por força da perce- tividade do princípio da igualdade que incide diretamente neste domínio material, entende-se que se lhe aplica o regime de proteção previsto nos n. os 1 e 3 do artigo 18.º da CRP, pelo que o princípio enunciado no primeiro artigo mencionado resulta ser diretamente aplicável à situação controvertida que decorre da norma impugnada. pp) Contra a solução de inconstitucionalidade assim sustentada poderiam ser aduzidos dois tipos de contra-argu- mentos. qq) O primeiro contra-argumento poderia radicar do entendimento segundo o qual a diferença de regime legal entre docentes efetivos e docentes contratados (cfr. n. os 35.º a 37.º deste requerimento) fundamentaria, à luz do princípio da igualdade, o tratamento distinto entre ambas as categorias decorrente da aplicação da norma impugnada. rr) Esta construção não resulta ser procedente, já que o que releva, para efeitos da aplicação do princípio do direito à retribuição segundo a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado, é que as funções letivas desem- penhadas por um docente contratado sejam iguais às prestadas pelos seus colegas de carreira, com a mesma carga horária, não sendo justificada uma situação de disparidade retributiva que apenas decorra da diversidade dos regimes legais aplicáveis, apesar de uma reconhecida igualdade quanto à natureza, qualidade e quantidade do trabalho que um e outro prestam. Sintomaticamente, tanto a doutrina como a jurisprudência convergem no entendimento de que a diferença de regime legal entre trabalhadores efetivos e contratados não logra justificar cabalmente uma distinção de ordem salarial entre ambos, quando o trabalho que desenvolvam seja o mesmo, em razão da sua natureza, carga horária, responsabilidade funcional e habilitações requeridas. ss) O segundo contra-argumento decorre da narrativa aduzida em sede parlamentar, em abono da solução norma- tiva ora impugnada, a qual se destinaria a reparar supostas injustiças ocorridas no passado.
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