TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
230 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da interdição judicial, não se projetam relevantemente sobre a capacidade do interdito por anomalia psíquica para apreender e responder com verdade às questões que lhe sejam colocadas, com vista à obtenção de relato fidedigno de factos por si observados ou experienciados. IV - A medida não se mostra necessária para atingir a finalidade de assegurar uma representação genuína e fidedigna da realidade, em termos compatíveis com o princípio da descoberta da verdade material, pois persiste, a par da atuação do princípio da livre apreciação da prova, o dever da autoridade judiciá- ria que preside à fase processual em que seja colhido o depoimento, de verificar da «aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho»; trata-se de apreciação de credibilidade à luz de critérios jurídicos gerais e relativamente abertos, estreitamente indexada às circunstâncias específicas de cada caso que não deixa de materializar um juízo objetivo de ponderação dos vários interesses em presença. V - A medida legislativa em apreciação não só viola o princípio da proporcionalidade logo nos seus dois primeiros testes – aptidão e necessidade –, como se revela discriminatória relativamente a uma cate- goria de pessoas – as vítimas de crimes em investigação declaradas interditas por anomalia psíquicas -, mostrando-se desprovida de fundamento bastante para o tratamento diferenciado que opera, infrin- gindo o princípio da igualdade, na vertente da proibição de descriminação, e o direito a um processo equitativo. Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro), o Ministério Público interpôs recurso, para si obrigatório, do acórdão proferido em 24 de maio de 2017 pelo Tribunal da Relação do Porto. 2. O presente recurso é incidente de processo criminal, em fase de inquérito, no âmbito do qual o juiz de instrução criminal indeferiu requerimento apresentado pelo Ministério Público para a tomada de decla- rações para memória futura de testemunha, indicada como vítima do crime objeto de investigação, com fundamento no facto de esta ter sido declarada interdita por anomalia psíquica. O Ministério Público recorreu dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto, impugnação que veio a ser julgada procedente e, consequentemente, revogada a decisão de indeferimento, determinando-se a sua substituição por outra que, verificados que sejam os demais pressupostos legais, determine a requerida tomada de declarações. Para tanto, o tribunal recusou a aplicação da norma contida no artigo 131.º, n.º 1, do Código de Pro- cesso Penal (CPP), no sentido em que estabelece a incapacidade para testemunhar de pessoa que, tendo no processo a condição de vítima ou ofendida de um crime, está interdita por anomalia psíquica, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição).
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