TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
232 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL por anomalia psíquica, ainda que incidente sobre uma categoria de sujeitos processuais distinta, caracteri- zada pela efetiva aquisição do estatuto de assistente. No entanto, no que se refere à capacidade para depor, o regime do assistente comporta a mesma solução normativa que recai sobre a capacidade para testemunhar uma vez que – na ausência de disposição em contrário ou de manifesta inaplicabilidade, como é o caso -, o n.º 3 do artigo 145.º do CPP sujeita a prestação de declarações pelo assistente à mesma disciplina da presta- ção de prova testemunhal. Assim, e como já se reconheceu no Acórdão n.º 396/17 perante a mesma dimensão normativa aqui em análise, existem evidentes pontos de contacto entre normas sindicadas nos dois processos, pois ambas se ins- crevem no regime da prestação de prova pessoal em processo penal e comungam do mesmo fundamento: o benefício da maior certeza sobre qual o universo de pessoas consideradas incapazes de prestarem contributo probatório em processo penal, devido a sofrerem de anomalia psíquica. São desse modo inteiramente transponíveis para o presente recurso os fundamentos exarados no Acór- dão n.º 359/11, com os quais se concorda. Recorde-se o que se disse nesse aresto: «A proibição absoluta das pessoas interditas, por padecerem de anomalia psíquica, deporem como testemunhas foi introduzida no processo penal pelo CPP de 1929 (artigo 216.º, 1.º). Até aí, se os “desassisados” eram considerados inábeis para depor, por incapacidade natural (artigo 2510.º, do Código Civil de 1867, aplicável ao processo penal por remissão do artigo 969.º, da Novíssima Reforma Judiciária, e anteriormente o § 5, do título LVI, do Livro III, das Ordenações Filipinas), essa “falta de siso” era apurada através da avaliação do juiz perante quem fossem apresentados para depor, e não de uma qualquer anterior declaração judicial de interdição da testemunha para reger a sua pessoa e bens. A solução do CPP de 1929 foi copiada no processo civil pelo Código de Processo Civil de 1939 (artigo 623.º), o qual alterou o regime que anteriormente constava dos artigos 2506.º e seguintes do Código Civil de 1867. Tal opção foi, no seu início, objecto de críticas, apontando-se o facto da interdição ser um instituto que se destinava a proteger os dementes, enquanto a proibição do seu depoimento em processo judicial visava proteger as partes e a administração da justiça, e ainda a circunstância do tipo ou do nível de demência dos interditos poder não os tornar inaptos para depor (vide, relativamente ao processo penal, Luís Osório, em Comentário ao Código do Processo Penal Português , 3.º vol., p. 320-321, da edição de 1933, da Coimbra Editora, e, relativamente ao processo civil, Cunha Gonçalves, em Tratado de direito civil, em comentário ao Código Civil Português , vol. XIV, p. 364-365, da ed. de 1940, da Coimbra Editora, e Augusto Coimbra, em “O novo Código de Processo Civil”, na Revista da Justiça, Ano 24.º, p. 245, enquanto Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil anotado , vol. IV, p. 327-330, da ed. de 1951, da Coimbra Editora, defendia a alteração operada), manifestando Vaz Serra (em “Provas. Direito probatório material”, no B.M.J. n.º 112, p. 245-246) a preferência por um regime em que competiria ao juiz apreciar livremente o valor probatório da prova testemunhal, mesmo quando prestada por pessoas com anomalias psíquicas, uma vez que “pode acontecer que o depoimento dos desassisados, ainda que interditos, seja útil para o esclarecimento da verdade dos factos”, dispensando-se apenas a prestação de juramento. Contudo, a solução adoptada, que se revela desacompanhada no direito comparado, foi-se mantendo no nosso regime processual, constando hoje dos artigos 131.º, n.º 1, do CPP, e 616.º, do CPC. Por outro lado, o nosso sistema processual penal não deixou de conferir à vítima um papel relevante no exercí- cio da justiça penal, facultando-lhe uma intervenção activa no processo, no cumprimento da imposição constante do artigo 32.º, n.º 7, da Constituição (sobre a evolução histórica e os mais recentes desenvolvimentos da preocu- pação do sistema penal com a vítima, cfr. José de Souto Moura, “As vítimas de crimes: contributo para um debate transdisciplinar”, in Direito ao Assunto, p. 263 e seg., ed. de 2006, da Coimbra Editora, e Alexandre JeanDaoun, em “Protecção a vítimas e testemunhas e dignidade humana”, in Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 688 e seguintes, edição de 2008, da Editora Quartier Latin do Brasil). Essa participação está dependente da sua constituição como assistente no processo (artigos 68.º e 69.º, do CPP), passando a ser encarada como um verdadeiro sujeito processual (vide Figueiredo Dias, em “Sobre os sujeitos
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=