TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

233 acórdão n.º 486/18 processuais no novo Código de Processo penal”, em Jornadas de Direito Processual Penal. O novo Código de Processo Penal , p. 9-10, da ed. de 1988, da Almedina). E se esta condição impede os ofendidos de serem testemunhas [artigo 133.º, n.º 1, alínea  b) , do CPP], não deixa de lhes assistir o direito, e de sobre elas recair também o dever, de prestarem declarações sobre o objecto do processo, as quais apesar de não serem precedidas de juramento, não deixam de estar sujeitas ao dever de verdade e a responsabilidade penal pela sua violação (artigo 145.º, n.º 1, 3 e 4, do CPP), sendo o seu conteúdo submetido à livre apreciação do julgador (artigo 127.º, do CPP). Atenta a proximidade destas declarações com o depoimento testemunhal, não deixou o legislador de regu- lamentar a sua prestação, remetendo para o regime da prestação da prova testemunhal (artigo 145.º, n.º 3, do CPP), tendo a decisão recorrida considerado abrangida por essa remissão a acima referida proibição da audição das pessoas que se encontrassem interditas, por anomalia psíquica, consideradas pelo n.º 1, do artigo 131.º, do CPP, como absolutamente incapazes para testemunhar. A opção de aproveitamento das sentenças civis de interdição visou conferir uma maior certeza sobre qual o uni- verso de pessoas consideradas incapazes de prestarem declarações em processo penal, devido a sofrerem de anomalia psíquica, retirando ao julgamento incerto, difícil e casuístico do julgador essa apreciação, nesses casos, mantendo- -se, contudo, uma margem de liberdade de apreciação, na verificação da aptidão mental de qualquer pessoa que não se encontre interdita, para prestar testemunho, nos termos do n.º 2, do artigo 131.º, do CPP. Na lógica da solução adoptada, uma declaração judicial de interdição traduz um juízo seguro sobre a incapa- cidade do interdito em poder contribuir de algum modo para o esclarecimento da verdade dos factos em tribunal, pelo que este não deve sequer ser admitido a prestar depoimento, não se permitindo que o julgador possa verificar, casuisticamente, a sua aptidão mental para depor, a fim de avaliar da sua credibilidade. (...) Conforme resulta do regime exposto, os interditos por anomalia psíquica são aqueles em que, num processo judicial específico de interdição, se concluiu que sofriam de uma patologia psíquica, com carácter permanente, que os incapacita de minimamente regerem a sua pessoa e os seus bens.  A expressão anomalia psíquica que substituiu o termo “demência”, utilizado no Código Civil de 1867, foi escolhida com a intenção de abranger toda e qualquer perturbação das faculdades intelectivas, afectivas ou volitivas, de modo a acompanhar a evolução das correspondentes noções científicas, permitindo uma contínua actualização do seu conteúdo (vide, sobre este conceito, Campos Costa, na ob. cit. , p. 199, Mota Pinto, em Teoria geral do direito civil , p. 228, da 3.ª ed., da Coimbra Editora, e, no campo do direito penal, Maria João Antunes, em O interna­ mento de imputáveis em estabelecimentos destinados a inimputáveis , p. 43 e seg., da ed. de 1993, da Coimbra Editora, e em Medida de segurança de internamento e facto de inimputável em razão de anomalia psíquica , p. 433 e seg., da ed. de 2002, da Coimbra Editora). Mas a existência de uma anomalia psíquica só é motivo de interdição se for causa de uma incapacidade para prover aos interesses pessoais, funcionando este último requisito como o padrão de avaliação da necessidade de se decretar a interdição. Como diz Raúl Guichard “o juízo de incapacidade ou impossibilidade para governar a própria pessoa e bens aparece, segundo o ligame de interdependência estabelecido pelo legislador, como medida da relevância da anomalia psíquica” (no estudo cit., p. 152). E este juízo já não é médico, mas sim jurídico, nele se reflectindo inevitavelmente a tensão entre protecção e liberdade. Na verdade, na determinação da situação de incapacidade de uma pessoa para se autodeterminar e reger os seus bens não deixará de pesar o posicionamento sobre a hierarquização daqueles valores. Em qualquer caso, a avaliação do grau de incapacidade do interditando é averiguada em termos estritamente individuais e deve ter como referência a qualidade dos seus interesses e a necessidade de a eles prover. E a incapacidade de actuar autonomamente, com esclarecimento, deve ser verificada não só na vertente patri- monial, mas também na vertente pessoal, pelo que interessarão todos os aspectos da vida do interditando que possam assumir expressão jurídica. Como se escreve no artigo 138.º, do Código Civil, o que está em causa é uma incapacidade de governar a sua pessoa e bens.

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