TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

234 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Sendo múltiplos os aspectos da vida do interditando em que a incapacidade deve ser medida e tendo a decisão de interdição, na nossa ordem jurídica, efeitos fixos, previamente determinados na lei, o juízo que a ela preside é necessariamente global, nele assumindo uma maior influência aqueles domínios em que a incapacidade detectada pode prejudicar gravemente os interesses do interditando, pelos efeitos vinculativos dos actos que pratica, ou seja a área dos negócios jurídicos. Daí que o tratamento civilístico do incapaz no nosso Código Civil seja acusado, além do mais, de excessivamente negocialista.» Feito tal enquadramento, o Tribunal confrontou a solução normativa com o princípio da igualdade e o direito a um processo equitativo, concluindo, quanto a ambos os parâmetros, pela sua violação. Assim, e quanto ao princípio da igualdade, considerou-se que: «No artigo 71.º, da Constituição, consagra-se um específico dever de igualdade, numa declinação do artigo 13.º, da Constituição, relativamente aos cidadãos portadores de deficiência física ou mental. Estes não podem ser privados da titularidade e do exercício dos direitos atribuídos à generalidade dos cidadãos, salvo aqueles para os quais a sua deficiência os incapacite. Daí que quaisquer restrições aos direitos dos cidadãos portadores de deficiência estejam sujeitas às exigências contidas nos n.º 2 e 3, do artigo 18.º, da Constituição, estando por isso sob o controle do princípio da proporcio- nalidade. Face a uma situação de incapacidade adveniente de uma deficiência, o legislador está obrigado à escolha das soluções menos gravosas e mais consentâneas com o respeito pelo princípio de que os cidadãos portadores de deficiência gozam plenamente de todos os direitos conferidos aos cidadãos em geral (Rui Medeiros, em Constitui­ ção Portuguesa anotada , tomo I, p. 1394-1395, da 2.ª edição, da Wolters Kluwer/Coimbra Editora). Com este mesmo sentido foi aprovada a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adoptada em Nova Iorque em 30 de março de 2007, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 56/2009, de 7 de maio, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 71/2009, de 30 de julho de 2009, tendo entrado em vigor em Portugal a 23 de outubro de 2009 (cfr. Aviso n.º 114/2009, de 29 de outubro, publicado no Diário da República , 1.ª série, n.º 210, de 29 de outubro de 2009). Representando um importante instrumento legal no reconhecimento e promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência e na proibição da discriminação destas em todas as áreas da vida, esta Convenção tem como objecto “promover, proteger e garantir o pleno e igual gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente” (art. 1.º), incluindo-se no conceito de pessoas com deficiência “aqueles que têm incapacidades duradouras físicas, mentais, intelectuais ou sensoriais, que em interacção com várias barreiras podem impedir a sua plena e efetiva participação na sociedade em condições de igualdade com os outros.” (art. 1.º). Para efeitos da referida Convenção é considerada «Discriminação com base na deficiência» “qualquer distinção, exclusão ou restrição com base na deficiência que tenha como objectivo ou efeito impedir ou anular o reconhe- cimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade com os outros, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais no campo político, económico, social, cultural, civil ou de qualquer outra natureza. Inclui todas as formas de discriminação, incluindo a negação de adaptações razoáveis” (cfr. artigo 2.º). No que respeita ao acesso à justiça, importa ter em atenção o artigo 13.º da Convenção, o qual tem o seguinte teor: “Acesso à justiça 1 – Os Estados Partes asseguram o acesso efetivo à justiça para pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demais, incluindo através do fornecimento de adaptações processuais e adequadas à idade, de modo a facilitar o seu papel efetivo enquanto participantes diretos e indiretos, incluindo na qualidade de testemunhas, em todos os processos judiciais, incluindo as fases de investigação e outras fases preliminares. 2 – De modo a ajudar a garantir o acesso efetivo à justiça para as pessoas com deficiência, os Estados Partes promovem a formação apropriada para aqueles que trabalhem no campo da administração da justiça, incluindo a polícia e o pessoal dos estabelecimentos prisionais.”

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