TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

236 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por seu turno, no quadro do parâmetro contido no artigo 20.º, n. os 1 e 4, da Constituição, afirmou o Tribunal: «O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4). A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efetiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente, o direito de agir em juízo através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo mate- rialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais. A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Contudo, impõe, no seu núcleo essencial, que os regimes adjetivos proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efetiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador auto- rizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva. A jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente atra- vés da formulação de princípios, entre os quais se contam o direito à prova, isto é, à apresentação de provas destina- das a demonstrar os factos alegados, e o direito a um processo orientado para a justiça material, em que a descoberta da verdade, assume especial importância (Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit. , pp. 415 e 416). Tem-se entendido que a observância destes princípios não implica necessariamente a admissibilidade de todos os meios de prova, não se excluindo a possibilidade do legislador consagrar limitações e proibições neste domínio, desde que não sejam arbitrárias ou desproporcionadas. Ora, a proibição do ofendido em processo penal, constituído assistente, prestar declarações em audiência sobre a factualidade em julgamento livremente valoráveis pelo julgador, quando se encontre interdito por anomalia psí- quica, não encontra uma justificação bastante nas vantagens da adopção de um método objectivo de determinação das pessoas que, sofrendo de anomalia psíquica, podem prestar depoimentos credíveis em audiência, uma vez que, pelas razões acima explicadas, o critério adoptado revela-se inadequado para se obter uma escolha com o mínimo de rigor. Assim, a circunstância da vítima de um crime que sofra de anomalia psíquica ter sido objecto de uma medida judicial de interdição, que tem por finalidade a sua protecção, não pode servir como fundamento para lhe retirar direitos de intervenção no processo criminal. Seria acentuar a desprotecção da vítima, que já se encontra numa situação de especial vulnerabilidade pela sua deficiência, paradoxalmente justificada por esta ter sido colocada, por decisão judicial, sob um determinado regime destinado a assegurar a sua protecção. Daí que a limitação probatória resultante da norma sindicada se revele desproporcionada, sacrificando injusti- ficadamente o direito à prova e o direito a um processo orientado para a justiça material. Por esse motivo, se entende que a norma sindicada além de infringir o princípio da igualdade, na vertente da proibição de descriminação, também viola o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, devendo, por isso ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público.» 7. Também nos presentes autos, se impõe formular juízo positivo de inconstitucionalidade, com funda- mento em tais parâmetros constitucionais. Com efeito, a solução normativa em análise trata de modo radical e de igual forma todos os interditos por anomalia psíquica, independentemente do específico e concreto grau da respetiva afetação da capacidade para testemunhar sobre qualquer evento em processo penal, vertente que não é objeto de verificação especifi- cada no processo de interdição. Este é fundamentalmente orientado para dimensões de índole patrimonial e pessoal, de modo a assegurar a proteção dos interesses do visado através da instituição de um tutor, protutor ou curador, e do conselho de família.

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