TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
237 acórdão n.º 486/18 Sucede, porém que em muitas situações, o quadro de saúde mental do sujeito, e o respetivo grau de afe- tação da cognição ou da volição, tidos em atenção na avaliação dos pressupostos da interdição judicial, não se projetam relevantemente sobre a capacidade do interdito por anomalia psíquica para apreender e responder com verdade às questões que lhe sejam colocadas, com vista à obtenção de relato fidedigno de factos por si observados ou experienciados. Por outro lado, a medida também não se mostra necessária para atingir a finalidade de assegurar uma representação genuína e fidedigna da realidade, em termos compatível com o princípio da descoberta da verdade material (Acórdão n.º 291/17), pois persiste, a par da atuação do princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º do CPP), o dever da autoridade judiciária que preside à fase processual em que seja colhido o depoimento, de verificar da «aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho» (artigo 131.º, n.º 2, do CPP). Trata-se de apreciação de credibilidade à luz de critérios jurídicos gerais e rela- tivamente abertos, estreitamente indexada às circunstâncias específicas de cada caso; não deixa, porém, de materializar um juízo objetivo de ponderação dos vários interesses em presença. Estamos, então, perante medida legislativa que não só viola o princípio da proporcionalidade logo nos seus dois primeiros testes – aptidão e necessidade – como se revela discriminatória relativamente a uma categoria de pessoas – as vítimas de crimes em investigação declaradas interditas por anomalia psíquicas – mostrando-se, como vimos, desprovida de fundamento bastante para o tratamento diferenciado que opera, devendo, por isso, ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público. 8. Por tais motivos, entendemos que a norma sindicada infringe o princípio da igualdade, na vertente da proibição de descriminação, e o direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, devendo, por isso ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público. III – Decisão 9. Nestes termos decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 131.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na dimensão em que estabelece a incapacidade absoluta para testemunhar de pessoa que, tendo no processo a condição de vítima ou ofendida de um crime, está interdita por anomalia psíquica, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) e do processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da Constituição), conjugado com o princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição); b) Negar provimento ao recurso do Ministério Público. Sem custas. Notifique. Lisboa, 4 de outubro de 2018. – Fernando Vaz Ventura – Catarina Sarmento e Castro – Maria Clara Sottomayor – Pedro Machete – Manuel da Costa Andrade. Anotação: 1 – O Acórdão está publicado em Diário da República , II Série, de 22 de novembro de 2018. 2 – O Acórdão n. os 359/11 está publicado em Acórdãos, 81.º Vol.. 3 – Os Acórdãos n.º 291/17 e 396/17 estão publicados em Acórdãos, 99.º Vols..
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=