TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
250 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. Conforme referido, o recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da LTC pressupõe a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo, de modo a confrontar a instância recorrida com esse problema, e criando, quanto à mesma, um dever de decisão (cfr. artigo 72.º, n.º 2, da LTC), correspondendo tal suscitação a um ónus cujo cumprimento, relativamente aos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da LTC – como sucede in casu –, constitui, desde logo, um requisito de legitimidade do recorrente. A aplicação da interpretação normativa correspondente à questão de constitucionalidade ora em análise reporta-se ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de setembro de 2017, cuja correção foi requerida pela arguida e indeferida pelo acórdão de 4 de dezembro de 2017 do mesmo tribunal. Ora, conforme assume a própria recorrente, foi apenas no requerimento em que solicitou a correção deste acórdão, nos termos do artigo 380.º, n.º 1, alínea a), do CPP, que foi suscitada esta questão de consti- tucionalidade, alegando ter sido “surpreendida” pela interpretação feita pelo tribunal a quo. Tal impulso, em princípio, não é tempestivo. A jurisprudência constitucional tem afirmado, de modo reiterado e unânime, que a suscitação da questão de inconstitucionalidade deve ocorrer antes da prolação da decisão final, visto que a partir desse momento se encontra esgotado o poder jurisdicional (nos termos previstos no artigo 613.º do Código de Processo Civil – CPC). Com efeito, uma vez que o poder jurisdicio- nal se esgota com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da decisão, nem a torna obscura ou ambígua, os incidentes pós-decisórios (como sejam os pedidos de aclaração, de reforma ou de arguição de nulidade) não constituem momento processualmente adequado para a suscitação – pela primeira vez – das questões de inconstitucionalidade (cfr., nesse sentido, os Acórdãos n. os 394/05, 533/07 e 55/08). 10. É certo que, em determinados casos, o Tribunal Constitucional considera ser de dispensar o preen- chimento desse ónus, admitindo o conhecimento do objeto do recurso apesar da omissão de suscitação ade- quada da inconstitucionalidade normativa durante o processo. Estão em causa situações em que o Tribunal Constitucional entende que, em concreto, o cumprimento desse ónus por parte do interessado não é exigível. Contudo, para que se possa apurar a procedência de uma situação de não exigibilidade, não basta apenas que o recorrente invoque ter sido surpreendido pela aplicação de determinada interpretação normativa pela decisão recorrida, como sucede no presente caso. A mera surpresa subjetiva não é fundamento suficiente para se poder ter por dispensado o recorrente deste ónus. Com efeito, tem este Tribunal afirmado, de modo reiterado, que recai sobre as partes o ónus de analisa- rem as diversas possibilidades interpretativas suscetíveis de virem a ser aplicadas na decisão, devendo as mes- mas adotar um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia processual que melhor salvaguardará os seus direitos e interesses. Por isso, não basta a mera surpresa subjetiva com o sentido da decisão proferida (vide por exemplo, os Acórdãos n. os 261/02, 115/05, 14/06 e 148/08). É necessário, na verdade, que se afira, em concreto, que a parte não poderia razoavelmente antecipar o concreto problema de constitucionalidade, designadamente por ser confrontada com a concreta aplicação de norma ou interpre- tação normativa que se apresenta objetivamente como imprevisível e inesperada, não se lhe podendo impor, segundo um critério de exigibilidade e razoabilidade, que tivesse antecipado que o tribunal iria optar pela convocação ou interpretação da norma em questão. Trata-se de casos em que «a mobilização da norma haja sido “insólita” e “imprevisível”, sendo então desrazoável e inadequado exigir ao interessado um prévio juízo de prognose relativo à sua aplicação, suscitando desde logo a questão de inconstitucionalidade (Acórdãos n. os 61/92, 569/95, 79/02 e 120/02)» (assim, vide o Acórdão n.º 182/10). 11. Não ocorre seguramente uma situação desta natureza quando a interpretação normativa definida e aplicada nos autos corresponde a uma interpretação razoável e previsível, inteiramente compatível com o teor literal do preceito em causa, ou quando a norma convocada é aplicada na sua literalidade (cfr., nesse sentido, entre outros, os Acórdãos n. os 197/02 e 186/03).
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