TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
264 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL refletir sobre a necessidade de intentar a ação, a qual estaria perfeitamente atingida aos 28 anos de idade, na proteção dos interesses do investigado à paz familiar e à segurança jurídica. IV - No caso dos autos, estamos perante um conflito entre direitos fundamentais, nas relações interpri- vadas, em termos tais que as normas de direito privado que tutelam os direitos de uma das partes importam uma ingerência na esfera protegida da outra; tratando-se de analisar a questão da consti- tucionalidade da existência de um prazo de caducidade, em si mesmo e independentemente da sua concreta duração, não relevam considerações acerca da experiência de vida ou da maturidade de uma pessoa de 28 anos para tomar a decisão de intentar uma ação de investigação da paternidade, a qual, de resto, não se pode pôr em dúvida, de acordo com as etapas psicológicas e mentais de desenvolvimento da pessoa humana. V - Os sujeitos interessados na imprescritibilidade destas ações serão, sobretudo, as pessoas nascidas antes da Reforma de 1977, contudo, na hipótese de surgirem ações de investigação da paternidade inten- tadas por pessoas nascidas após a reforma de 1977, também estas devem beneficiar do mesmo regime de prazos (ou da inexistência de prazos de caducidade), por força da tutela constitucional conferida ao direito à identidade pessoal e da importância crescente do conhecimento da verdade biológica, que tem, inclusivamente, conduzido à quebra do regime de anonimato dos dadores de gâmetas no caso da procriação heteróloga ou da inseminação de uma mulher com sémen de dador; dá-se assim uma convergência de interesses entre os filhos nascidos fora do casamento antes da reforma de 1977 (e que constituem a esmagadora maioria dos investigantes) e aqueles casos de filhos maiores de idade, sem paternidade estabelecida, nascidos após a entrada em vigor de um regime de estabelecimento da filiação centrado no princípio da verdade biológica e na responsabilização dos pais biológicos. VI - O Acórdão n.º 401/11 assenta num juízo de ponderação que deve ser revisto pelo Tribunal Consti- tucional, pois sobrevaloriza excessivamente as razões de segurança jurídica, atribuindo-lhes um peso que elas constitucionalmente não têm; no juízo de ponderação a efetuar acerca da proporcionalidade da restrição dos direitos fundamentais sacrificados pela norma questionada, deve ter-se em conta a natureza pessoalíssima dos direitos restringidos pelo prazo de caducidade, bem como interesses de ordem pública que exigem, para evitar a possibilidade de relações de consanguinidade e para permitir a observância do sistema de impedimentos matrimoniais, o estabelecimento das relações de filiação de todos os cidadãos; à luz destes princípios, e procedendo a novas ponderações valorativas, cumpre rea- nalisar os argumentos do Acórdão n.º 401/11: o argumento caça fortunas; o argumento da segurança jurídica, na dupla vertente objetiva e subjetiva; os argumentos da vida privada do pretenso pai e da proteção da paz familiar. VII - Acerca do argumento, propugnado pela tese da caducidade, segundo a qual a interposição tardia da ação de investigação da paternidade resulta de um objetivo egoístico e patrimonial do investigante, que apenas procura obter os efeitos sucessórios decorrentes da qualidade de herdeiro legitimário, deve notar-se que um filho, que, durante a menoridade, se viu privado, em relação ao investigado, seu pretenso pai, do apoio financeiro e afetivo que os pais costumam proporcionar, resta-lhe apenas a obtenção do seu direito à herança, o qual, mesmo que exercido tardiamente, não se pode considerar abusivo, num contexto legal em que os restantes herdeiros o podem exercer a todo o tempo; a presun- ção de que o estabelecimento da filiação tem a sua dimensão mais importante durante a menoridade, esquece que existem entre pais e filhos, em todas as fases da vida, deveres mútuos de respeito, auxílio e assistência e que esta solidariedade familiar se repercute em deveres de alimentos recíprocos entre
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