TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
265 acórdão n.º 488/18 pais e filhos adultos (para além dos alimentos devidos a filho maior enquanto este não completar a sua formação profissional) e nos efeitos sucessórios da filiação, que constitui, ainda, uma forma de os pais auxiliarem os filhos no plano económico. VIII - Contra os direitos fundamentais do filho investigante, são invocadas razões de certeza e de segurança jurídica, que, merecendo tutela constitucional, demandariam um fim ao prolongamento da indefi- nição quanto ao estabelecimento do vínculo de filiação; ora, o aumento da duração do prazo de dois para dez anos não é de molde a que deixe de importar a hierarquia constitucional entre os direitos de natureza pessoalíssima do investigante, que devem receber a primazia no juízo de ponderação, e os direitos patrimoniais do investigado e dos seus herdeiros, de natureza secundária, nem implica qualquer atenuação do peso que tem a responsabilidade do pretenso pai em relação ao seu filho bioló- gico, que nunca perfilhou, sobre a eventual incerteza ou indefinição do estatuto pessoal e patrimonial daquele. IX - O princípio da segurança jurídica não aparece autonomamente enunciado na Constituição, sendo antes inferido do princípio do Estado de direito democrático, por referência ao Estado legislador e produtor de normas; a segurança jurídica está ligada à tutela de interesses patrimoniais, que, quan- do em conflito com direitos fundamentais pessoais ou de personalidade, devem ceder, por força da primazia da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos de personalidade; os direitos familiares pessoais como o direito ao estabelecimento da filiação assumem não só uma natureza jusfundamental, como têm sido «despatrimonializados», no sentido em que o direito da filiação, relacionado tradi- cionalmente com a transmissão do património das famílias dentro do casamento e com a defesa da integridade desse património, está hoje ligado, por excelência, ao estatuto pessoal e à identificação da pessoa com o seu «eu»; a segurança jurídica do investigado e da sua família foi um argumento hiperva- lorizado pelo Acórdão n.º 401/11, e que não tem, face à hierarquia de valores fixada na Constituição, peso suficiente para prevalecer sobre os direitos fundamentais, pessoalíssimos, do investigado, nem sobre os interesses de ordem pública relacionados com o estabelecimento da filiação. X - A imposição ao investigado de um ónus de diligência, por cujo incumprimento deve ser sancionado ou assumir as consequências, dentro de uma lógica de auto-responsabilidade, contende com a liber- dade do investigante na formulação de um juízo de caráter pessoalíssimo e que pode sofrer mutações ao longo da vida, decorrentes dos contextos de vida que o filho atravessa, da evolução da sua sensibili- dade e opinião, bem como do facto de ter ele próprio constituído família e de ter de ponderar, na sua decisão, os interesses dos seus descendentes; a simples inércia ou passividade, durante certo período temporal, em tomar a iniciativa de investigação de paternidade não deve ser destrutiva da legitimida- de para o fazer quando, no critério atual do próprio, tal corresponde ao seu interesse na constituição plena da sua identidade pessoal. XI - Quanto aos argumentos do direito à privacidade e à paz familiar, deve considerar-se, à luz dos direitos fundamentais à identidade e à historicidade pessoal, que «o âmbito de proteção do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar não tutela o eventual interesse do progenitor, que participou num relacionamento biológico e afetivo de consequências reprodutivas, em não assumir a responsabi- lidade jurídica desse ato»; na cultura social e jurídica atual, o Estado responsabiliza, pelo bem-estar da criança nascida, em primeiro lugar, os progenitores biológicos, e tem um interesse de ordem pública em que estes vínculos biológicos adquiram a devida relevância jurídica no domínio do direito da filia- ção e do estado da pessoa, mesmo para além da maioridade dos filhos.
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