TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
266 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL XII - A fixação de um prazo para interposição da ação de reconhecimento judicial da paternidade restrin- ge os direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família do investigante, bem como o direito ao livre desenvolvimento da personalidade deste, não constituindo um meio adequado, necessário e proporcional de respeitar os direitos do investigado, violando, por isso, a proibição de intervenção excessiva nos direitos fundamentais dos autores da ação; a natureza pessoalíssima dos direitos dos filhos, que decorrem da intimidade mais profunda do ser humano e da sua necessidade afetiva e social mais definidora da sua humanidade e personalidade, faz com que, na operação de balanceamento entre posições contrapostas, os direitos dos filhos sejam, na hierarquia axiológica da Constituição em que a dignidade da pessoa humana ocupa o topo, de superior valia em relação aos direitos do investigado. XIII - A privacidade do investigado (o direito de não ver exposta a sua esfera sexual e íntima) e da sua família, bem como a segurança jurídica patrimonial dos herdeiros daquele, não podem sobrepor-se aos direitos pessoalíssimos e inalienáveis do investigante, em termos de provocar a sua extinção pelo decurso do tempo; não pode sequer afirmar-se que existe um direito do pretenso pai a não se vincular juridica- mente a uma paternidade biologicamente comprovável, num contexto jurídico em que o progenitor tem, pelo contrário, o dever jurídico (e não apenas moral ou de consciência) de perfilhar; o conflito de direitos em causa no presente processo deve ser analisado e as normas constitucionais interpretadas à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, não podendo deixar de se entender, num Estado de direito, cujo centro é a pessoa humana, que os direitos de natureza pessoal têm preponderância sobre os direitos patrimoniais, havendo entre ambas as categorias de direitos e de interesses uma diferença qualitativa que deve ser decisiva no juízo de ponderação de interesses. XIV - O direito de intentar a ação de investigação da paternidade é um direito de personalidade fundamen- tal, e os direitos de personalidade beneficiam de regimes jurídicos especiais que decorrem de normas materialmente constitucionais, que, apesar da sua colocação sistemática em diplomas de direito ordi- nário, consagram direitos fundamentais extraconstitucionais, não formalmente tipificados no texto da Constituição; estas dimensões dos direitos fundamentais contribuem para salientar a primazia dos direitos de personalidade sobre os direitos patrimoniais, enriquecendo e densificando o conteúdo aberto das normas constitucionais invocadas como parâmetro da apreciação da constitucionalidade da norma sob apreciação, atribuindo aos direitos à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade um maior peso quando em confronto com outros bens jurídicos como a segurança jurídica patrimonial dos outros herdeiros do investigado ou a paz familiar, o sossego e a privacidade deste e da sua família; a proteção da vida privada do pretenso pai não pode ser obtida à custa do direito do filho a investigar e a fazer reconhecer a filiação, tanto mais que a exposição da privacidade daquele no processo resulta do seu contributo para a procriação e da sua conduta anterior omissiva: se não tinha razões para duvidar da paternidade, devia tê-la assumido; se tinha dúvidas legítimas, devia ter colaborado na averiguação da verdade biológica; quanto aos casos em que a ação é instaurada depois do falecimento do pretenso pai, não tendo este, em vida, conhecimento ou “suspeita” do nascimento, deve entender-se que não gozam, ainda assim, as posições jurídicas subjetivas deste, de merecimento de tutela suficientemente forte para contrabalançar os direitos do investigante, tanto mais que a estes direitos fundamentais correspondem também interesses de ordem pública. XV - À luz das normas constitucionais que consagram os direitos fundamentais à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da sua personalidade, ao conhecimento da paternidade/maternidade, bem como ao estabelecimento das correspondentes relações de filiação, conclui-se pela inconstitucionalidade da
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