TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
267 acórdão n.º 488/18 existência de um prazo de caducidade para propor uma ação de investigação da paternidade (e da maternidade); a limitação temporal do direito a interpor uma ação de investigação da paternidade não pode ser considerada constitucionalmente admissível, quer no plano da sua justificação, quer no plano dos seus efeitos, por violação do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição; por comparação com a tutela que recebem no ordenamento jurídico os credores de direitos patrimoniais (para cujo exercício judicial a lei fixa um prazo geral de prescrição de 20 anos), a ponderação de valores expressa na solução legal consagrada no artigo 1817.º, n.º 1, constitui apreciação “manifestamente incorreta” dos interesses ou valores em presença, em particular, quanto à intensidade e à natureza das consequências que esse regime produz para o investigante e para o investigado: o investigante, com a perda, aos vinte e oito anos de idade (ou qualquer outro limite temporal), do direito a saber quem é o pai, sofre prejuízos não patrimoniais, que afetam o cerne da sua personalidade, liberdade, estado pessoal e identidade, clara- mente desproporcionados em relação às desvantagens eventualmente resultantes, para o investigado e sua família, da ação de investigação e dos seus efeitos. XVI - Os direitos pessoais do investigado não ganham com o decurso do tempo uma força tão acrescida que justifique a sua prevalência sobre os direitos do filho e que o pretenso pai ganhe o direito à não sujeição ao reconhecimento da paternidade, assim se subtraindo ao vínculo familiar correspondente; inversamente, os direitos do filho não perdem, com a passagem do tempo, intensidade valorativa nem diminui o seu grau de merecimento de tutela. XVII - A norma que estipula um prazo de caducidade constitui uma restrição desproporcionada dos direitos fundamentais a constituir família, à identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade, bem como do direito a conhecer a ascendência biológica e a ver estabelecidos os correspondentes vínculos jurídicos de filiação, por violação das disposições conjugadas dos artigos 36.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Constituição, e do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da Constitui- ção; destas normas constitucionais, interpretadas à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, decorre que as ações de investigação da paternidade devem poder ser instauradas a todo o tempo, sen- do constitucionalmente ilegítima qualquer limitação temporal para o exercício destes direitos, ficando prejudicado o conhecimento da questão da constitucionalidade da concreta duração do prazo fixado no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil. Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. A., nascida no dia 1 de dezembro de 1968 e registada como filha de pai incógnito, intentou, em 6 de maio de 2016, ação de investigação de paternidade contra B., que ocupa a posição de investigado ou de pretenso pai ainda vivo à data da interposição da ação. Foi proferido despacho saneador sentença que julgou procedente a exceção de caducidade e absolveu o réu do pedido. Dessa decisão a autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, sustentando a incons- titucionalidade da norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, ex vi artigo 1873.º, do mesmo Código,
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