TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

271 acórdão n.º 488/18  Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação 6. Razão de ordem: a norma questionada e o parâmetro de apreciação da constitucionalidade A decisão recorrida recusou a aplicação da norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, para onde remete o disposto no artigo 1873.º do mesmo Código, na medida em que prevê um prazo de caducidade do direito de investigar a paternidade de dez anos a partir da maioridade ou emancipação do investigante, por entender que «o estabelecimento do prazo de dez anos para instaurar ação de investigação de paternidade viola a exigência de proporcionalidade consagrada no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição e constitui, no estado atual do conhecimento científico, restrição injusti- ficada do direito ao conhecimento das origens genéticas, pelo que é inconstitucional». A questão de constitucionalidade tem sido colocada, na jurisprudência constitucional e nos tribunais comuns, por referência à dimensão concreta do prazo de caducidade, ponderando-se se a duração do prazo- -regra – primeiro de 2 anos, e depois de 2009, de 10 anos após a maioridade ou emancipação – é suficiente para garantir aos filhos a tutela dos seus direitos à identidade e à historicidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), bem como o seu direito de constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da CRP) e de estabelecer os corres- pondentes vínculos de filiação. Contudo, conforme já enunciava o Acórdão n.º 401/11, a questão da cons- titucionalidade da existência de um prazo, em si mesmo, surge como uma questão anterior relativamente à questão específica da extensão do prazo: «Apesar da inexistência de qualquer prazo de caducidade para as acções de investigação da paternidade, permi- tindo que alguém exerça numa fase tardia da sua vida um direito que anteriormente negligenciou, poder corres- ponder a um nível de protecção máximo do direito à identidade pessoal, isso não significa que essa tutela optimi- zada corresponda ao constitucionalmente exigido. Como já vimos, o direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores conflituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretiza- ção do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo. Assim o impõe a margem de liberdade que a actividade do legislador democrático reclama. Caberá, assim, nessa margem de liberdade do legislador determinar se se pretende atingir esse maxima- lismo, protegendo em absoluto o referido direito, ou se se opta por conceder protecção simultânea a outros valores constitucionalmente relevantes, diminuindo proporcionalmente a protecção conferida aos direitos à identidade pessoal e da constituição da família. Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo. É legítimo que o legislador estabeleça prazos para a propositura da respectiva acção de investigação da paterni- dade, de modo a que o interesse da segurança jurídica não possa ser posto em causa por uma atitude desinteressada do investigante, não sendo injustificado nem excessivo fazer recair sobre o titular do direito um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar, através de um regime de imprescritibilidade, uma situação de incerteza indesejável. Necessário é que esse prazo, pelas suas características, não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica. Por isso, o que incumbe ao Tribunal Constitucional verificar é se, na modelação desses prazos, o legislador ultrapassou a margem de conformação que lhe cabe.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=