TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
272 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na verdade, sendo o tipo de instrumento limitativo utilizado o adequado à defesa dos valores conflituantes, resta sindicar se as características dos prazos de caducidade estipulados respeitam o princípio da proporcionalidade, mantendo-se a linha mais recente do Tribunal Constitucional». A análise da questão de constitucionalidade da norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (na redação da Lei n.º 14/2009), e aplicável ex vi do disposto no artigo 1873.º do mesmo diploma, desdobra-se em dois momentos distintos: 1) em primeiro lugar, deve decidir-se se é conforme à Constituição a consa- gração legal de um prazo de caducidade, independentemente da sua concreta dimensão; 2) e só depois deve decidir-se, se, com a fixação do prazo de dez anos, contados da maioridade ou emancipação do investigante, o legislador respeitou o limite da suficiência da tutela face ao peso do direito à identidade pessoal perante outros valores tuteláveis. Esta abordagem foi já seguida pelo Acórdão n.º 401/11 proferido em Plenário, tendo-se então enten- dido, por um lado, que a Constituição não exige a imprescritibilidade destas ações, e, por outro, que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na dimensão normativa segundo a qual o prazo de caducidade assume a duração de dez anos após a maioridade ou emancipação, não viola qualquer norma ou princípio constitucional, por se revelar suficiente para assegurar que a decisão de interpor a ação não tivesse de ser tomada numa fase da vida em que o filho não teria ainda a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para tomar sobre esse assunto uma decisão consolidada. Assim, dado o conteúdo e fundamento da decisão recorrida, que recusa a aplicação do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na medida em que «o prazo de 10 anos previsto no n.º 1 do art. 1817.º, do C. Civil é inconstitucional por constituir uma restrição injustificada do direito ao conhecimento das origens genéticas (artigos 18.º, n. os 2 e 3, 26.º, n.º 1 e 36.º, n.º 1 da CRP», integram o objeto do presente recurso de constitu- cionalidade a interpretação normativa que consagra a existência de uma limitação temporal ao exercício do direito, independentemente da sua concreta extensão, bem como, subsidiariamente, aquela que fixa, em dez anos após a maioridade ou emancipação a dimensão concreta deste prazo. No presente processo, apreciaremos, em primeiro lugar, a questão de saber se existe ou não uma impo- sição constitucional de uma ilimitada averiguação da verdade biológica da filiação, isto é, se é constitucio- nalmente admissível a fixação, pelo legislador, de qualquer prazo de caducidade. A questão da constitucio- nalidade do concreto limite temporal previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil assume, assim, uma natureza subsidiária, que só será abordada se a resposta à primeira questão for negativa. 7. Da necessidade de reapreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil A norma agora questionada foi o resultado de um processo legislativo, que teve lugar em 2009, no qual se aderiu a uma solução de compromisso, em que o legislador ainda deu relevo a alguns dos argumentos obs- taculizantes da investigação da paternidade, tendo, por isso, limitado a sua decisão ao alargamento dos prazos de caducidade, sem aderir ao princípio da imprescritibilidade das ações da investigação da paternidade. Contudo, após esta alteração, a problemática da caducidade das ações de investigação de paternidade continua a ser largamente debatida, na doutrina e na jurisprudência, que continua dividida, e está ainda hoje longe de ser pacífica. A atestar esta falta de consenso e a necessidade social de uma posterior reponderação, surgem nos tribunais comuns, com frequência, ações de investigação da paternidade intentadas por pessoas nascidas antes da Reforma de 1977, época em que vigorava na ordem jurídica o princípio da proibição da investigação da paternidade e em que os filhos nascidos fora do casamento sofriam uma forte discriminação social e patrimonial. Esta realidade sociológica continua presente na sociedade portuguesa, com os filhos a interpor as ações de investigação da paternidade, fora do prazo legal, muitas vezes apenas após a morte da mãe, a fim de a proteger contra a devassa da sua vida privada normalmente implicada nestes processos, tendo em conta que até meados da década de noventa do século XX o uso de exames científicos se revelou ser muito
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