TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

273 acórdão n.º 488/18 restrito e de eficácia probatória reduzida (cfr. Helena Machado, Moralizar para identificar, Cenários da Inves­ tigação Judicial da Paternidade, Centro de Estudos Sociais, Porto, 2007, pp. 22 e 158-163). Recentemente, o Acórdão n.º 225/18 alterou a jurisprudência deste Tribunal no que diz respeito ao direito da pessoa concebida por PMA conhecer as suas origens e a identidade civil do dador de gâmetas, tendo sido declarado inconstitucional o princípio-regra do anonimato, visto como «uma afetação indubita- velmente gravosa dos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da CRP». Também no domínio do direito positivo, o direito a conhecer as origens sofreu uma maior valorização com a Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, que reconhece às pessoas adotadas o direito de a partir dos 16 anos solicitarem ao organismo de segurança social a identidade dos seus pais bioló- gicos (artigo 6.º, n.º 1, da citada lei e artigo 1990.º-A do Código Civil). Estas alterações normativas e jurisprudenciais, pese embora a diferença, também assinalada no Acórdão n.º 225/18, entre a ação da investigação da paternidade e o conhecimento da identidade civil do dador, não deixam incólume o equilíbrio de interesses e direitos, constitucionalmente protegidos, empurrando-o clara- mente em favor do direito de conhecer a paternidade. É certo que o objeto da ação de investigação da paternidade dirige-se, não só ao conhecimento da iden- tidade do progenitor biológico, mas também ao reconhecimento judicial do vínculo da paternidade com os respetivos efeitos jurídicos, tendo, portanto, implicações para terceiros (os herdeiros do pretenso pai) e para o investigado que estão ausentes na revelação da identidade do dador. Todavia, o estabelecimento da paterni- dade constitui um elemento relacionado com um aspeto da personalidade e da identidade pessoal de muito maior relevo (individual e de ordem pública) do que o mero conhecimento da identidade de um dador de gâmetas. A filiação fixa o lugar da pessoa no sistema de parentesco e confere-lhe um estatuto jurídico pessoal – o estado da pessoa. Por maioria de razão, perdem, assim, peso os argumentos para negar ao filho, autor da ação de investigação da paternidade, os seus direitos à identidade pessoal e ao reconhecimento da paterni- dade. Não por se tratar da procura da verdade biológica, pois esta não corresponde a qualquer imperativo constitucional autónomo nem exige uma tutela absolutizada, de nível máximo, mas por estar em causa um contexto situacional, em que a determinação da progenitura biológica consiste numa componente central da identidade pessoal e relacional do indivíduo, bem como da sua inserção na família e na sociedade, em termos que não têm qualquer paralelo com o conhecimento da identidade de um dador de gâmetas. De acordo com a orientação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 101/09, «A identidade pessoa é um conceito referido à pessoa que se constrói ao longo da vida em vista das relações que nela se estabele- cem, sendo que os vínculos biológicos são apenas um aspeto dessa realidade». (…) «Assim sendo, as posições jurídicas contidas no direito à identidade pessoal, como seja o direito ao conhecimento das origens genéticas, não têm necessariamente uma força jurídico-constitucional uniforme e totalmente independente dos dife- rentes contextos em que efetivamente se desenvolve essa identidade pessoal». Ora, a relevância do contexto permite atribuir maior relevo ao conhecimento da identidade do proge- nitor biológico no âmbito da investigação da paternidade – em que está em causa, não apenas um contri- buto genético, mas o estado familiar da pessoa e, portanto, a sua vida de relação com os outros – do que na PMA heteróloga, em que o dador não assume o estatuto de pai. É que, como também se afirma no Acórdão n.º 101/09, «A imagem da pessoa que a Constituição supõe não é apenas a de um indivíduo vivendo isola- damente possuidor de um determinado código genético; a Constituição supõe uma imagem mais ampla da pessoa, supõe a pessoa integrada na realidade efetiva das suas relações familiares e humano-sociais». À luz destes valores jurídico-constitucionais é questionável que os argumentos que pesaram a favor da fixação de prazos de caducidade possam ainda hoje ser válidos, estando esvaziado ou, pelo menos, manifes- tamente reduzido o alcance axiológico dos argumentos da segurança jurídica e da proteção da reserva da intimidade da vida privada do investigado. Neste novo contexto, está verificada a necessidade de a questão da constitucionalidade da norma cons- tante do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (na redação da Lei n.º 14/2009) ser revista por uma diferente

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