TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
274 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL composição do Tribunal Constitucional, ponderando-se agora, pela primeira vez, a questão mais geral da legitimidade constitucional de um prazo para o exercício da ação. Torna-se, assim, claro que o regime fixado na Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, que manteve a fixação de um prazo geral de caducidade, não encontrou o seu «ponto de cristalização e de estabilização» (cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, «A inconstitucionalidade da limitação temporal ao exercício do direito à investigação da paternidade», in RLJ , Ano 147.º, N.º 4009, março-abril, 2018) p. 238), sendo necessário «um novo olhar» sobre a constitucionalidade da existência de um prazo de caducidade para as ações de investigação da pater- nidade, em face do crescente valor dos bens jurídicos pessoalíssimos sacrificados pela caducidade, e cuja necessidade de compressão cada vez menos se reconhece, quer na ordem jurídico-constitucional, quer na consciência coletiva. No mesmo sentido milita a preocupação crescente com a verdade e a transparência nas relações familiares e nas relações entre o Estado e os cidadãos. 8. A evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional Na jurisprudência deste Tribunal não tem sido posta em questão a existência de um interesse do filho, constitucionalmente protegido, a conhecer a identidade dos seus progenitores, como decorrência dos direitos fundamentais à identidade pessoal (e, também, do direito à integridade pessoal – artigos 25.º, e 26.º, n.º 1, da Constituição), reconhecendo-se que o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica e ao esta- belecimento da paternidade é uma dimensão deste direito fundamental (cfr. Acórdãos n. os 99/88, 451/89, 370/91, 315/95, 506/99 e 23/06). Conforme se refere no Acórdão n.º 23/06: «Compreende-se, aliás, que seja assim, pois o direito à identidade pessoal inclui, não apenas o interesse na iden- tificação pessoal (na não confundibilidade com os outros) e na constituição daquela identidade, como também, enquanto pressuposto para esta auto-definição, o direito ao conhecimento das próprias raízes. Mesmo sem com- promisso com quaisquer determinismos, não custa reconhecer que saber quem se é remete logo (pelo menos tam- bém) para saber quais são os antecedentes, onde estão as raízes familiares, geográficas e culturais, e também genéti- cas (cfr., aliás, também a referência a uma “identidade genética”, que o artigo 26.º, n.º 3, da Constituição considera constitucionalmente relevante). Tal aspecto da personalidade – a historicidade pessoal (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada , 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 179, falam justamente de um “direito à historicidade pessoal”) – implica, pois, a existência de meios legais para demonstração dos vínculos biológicos em causa (note-se, aliás, que os exames biológicos conducentes à determinação de filiação podem ser realizados, fora dos processos judiciais, e a pedido de particulares, sem qualquer limitação temporal, pelos próprios serviços do Instituto Nacional de Medicina Legal, nos termos do artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 11/98, de 24 de janeiro), bem como o reconhecimento jurídico desses vínculos. Deve, pois, dar-se por adquirida a consagração, na Constituição, como dimensão do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, de um direito fundamental ao conhecimento e reconhecimento da maternidade e da paternidade». No mesmo sentido, no recente Acórdão n.º 225/18, «o direito à identidade pessoal, embora não con- sumido pelo direito ao desenvolvimento da personalidade, tem uma estreita conexão com as diferentes dimensões deste último, designadamente no que se refere à formação livre da personalidade ou liberdade de ação como «sujeito autónomo dotado de autodeterminação decisória», sem submissão a planificação ou imposição estatal de modelos de personalidade, e à proteção da integridade da pessoa, vista como garantia da esfera jurídico-pessoal no processo de desenvolvimento, ou seja, «proteção da liberdade de exteriorização da personalidade» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição… , cit., anot. IV ao artigo 26.º, pp. 463-464). Com efeito, ambas as dimensões assentam na individualidade da pessoa, assegurando-lhe um espaço para a sua dinamização, seja enquanto aprofundamento da consciência de si e autoafirmação, seja na sua relação com os outros».
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=