TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

275 acórdão n.º 488/18 Trata-se de direitos fundamentais, intimamente ligados com os aspetos mais profundos da pessoa humana, a sua identidade, desenvolvimento da personalidade e historicidade pessoal (artigos 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da CRP), que abrangem os direitos a conhecer a ascendência biológica e ao estabelecimento dos vínculos de filiação respetivos sem discriminações que criem obstáculos desnecessários ou excessivos aos filhos nascidos fora do casamento (artigos 36.º, n.º 1, 2.ª parte, e 36.º, n.º 4, da CRP). Decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional que o direito dos filhos nascidos fora do casa- mento a interpor uma ação de investigação da paternidade, enquanto instituto de direito civil integrado no direito da família e da filiação, é um instrumento jurídico de proteção de direitos fundamentais constitucio- nalmente protegidos, em primeira linha, do direito à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, que tem como dimensão essencial o direito ao conhecimento da progenitura, como elemento impres- cindível à plena consciência reflexiva da identidade própria. Neste sentido, se pronunciou a jurisprudência mais antiga do Tribunal Constitucional da qual citamos o Acórdão n.º 99/88: «De facto, a «paternidade» representa uma «referência» essencial da pessoa (de cada pessoa), enquanto suporte extrínseco da sua mesma «individualidade» (quer ao nível biológico, e aí absolutamente infungível, quer ao nível social) e elemento ou condição determinante da própria capacidade de auto-identificação de cada um como «indi- viduo» (da própria «consciência» que cada um tem de si); e, sendo assim, não se vê como possa deixar de pensar-se o direito a conhecer e ver reconhecido o pai – o direito de conhecer e «pertencer ao pai cujo é», para usar a fórmula vernácula e expressiva do velho Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de julho de 1938 – como uma das dimensões dos direitos constitucionais referidos, em especial do direito à identidade pessoal, ou uma das faculdades que nele vai implicada. A este respeito, dissertando sobre o Critério Jurídico da Paternidade  (Coimbra, 1983) e sobre a evolução, nesse domínio verificada, de um critério «nupcialista» e «voluntarista» para um critério «biologista» daquela, temperado embora por uma dimensão «sociologista», escreve Guilherme de Oliveira, em certo passo (p. 224), que «pode mesmo dizer-se que o direito ao conhecimento da ascendência biologicamente verdadeira ganhou uma relevância tal que nos permite considerá-lo como um aspecto dos direitos fundamentais da pessoa – designadamente, como uma faceta do direito à integridade pessoal e à identidade (artigos 25.º e 26.º da Constituição da República) que tutelam a “localização social” do indivíduo». E mais adiante (p. 292) que «o direito à identidade e à integridade pessoais contém a faculdade básica de procurar o reconhecimento público da “localização social” do indivíduo; este lugar, que investe o cidadão num conjunto de direitos e obrigações – num estado jurídico – exprime-se usualmente pelo nome e pelos apelidos de família». Entretanto, em escrito anterior ( Impugnação da Paternidad e, Coimbra, 1979), já o mesmo autor salientara (p. 66) que o «conhecimento da ascendência verdadeira é um espaço relevante da personalidade individual e uma condição de gozo pleno daqueles direitos fundamentais», observando, com particular interesse para o ponto que nos ocupa, que «nisto residirá, afinal, o motivo profundo – haverá outros – da legitimidade que as leis conferem ao filho para investigar a paternidade ou a maternidade». Contudo, esta ação não é uma ação de simples apreciação, já que não visa apenas proporcionar o conhecimento da ascendência biológica, mas tem natureza constitutiva, porque visa estabelecer um vínculo jurídico de filiação entre o investigante e o sujeito a quem é imputável o facto biológico da geração. O autor da ação adquire o estatuto de filho da pessoa contra quem a ação foi instaurada, com todos os direitos e deve- res inerentes. O direito ao reconhecimento judicial da paternidade entra também, portanto, no âmbito da proteção do direito a constituir família (artigo 36.º, n.º 1, da CRP). Subjacente a estes dois direitos, temos ainda o direito ao desenvolvimento da personalidade, incluído no artigo 26.º, n.º 1, da CRP, pela revisão de 1997. Este direito manifesta-se «como o direito de alguém a tornar-se naquilo que ainda não é: o de passar a ser filho, juridicamente reconhecido como tal, de determinada pessoa que é o seu pai biológico. É o direito de se autodeterminar no sentido de adquirir o estatuto de filho, de no processo de autodefinição individual através da condução da sua vida, tomar a opção de conformar a sua identidade nela integrando um vínculo

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