TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

276 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de filiação a que tem direito, mas que ainda não se encontrava estabelecido» (cfr. Joaquim de Sousa Ribeiro, A inconstitucionalidade da limitação temporal ao exercício do direito à investigação da paternidade , ob. cit. , 2018, p. 216). Assente está também na jurisprudência do Tribunal Constitucional que a existência de um prazo de caducidade não consiste num «mero condicionamento» do exercício do direito do investigante (como se defendeu nos Acórdãos n. os 99/88 e 370/91), mas numa verdadeira restrição de direitos fundamentais, «tor- nando-se antes necessário analisar, numa perspetiva substancial, se o tipo de limitação ao direito fundamen- tal em causa, pela gravidade dos seus efeitos e pela sua justificação é ou não atualmente aceitável, à luz do princípio da proporcionalidade» (cfr. Acórdão n.º 23/06). A questão da constitucionalidade da norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil tem sido analisada através de um princípio de harmonização ou concordância prática de bens em conflito – direito à identidade pessoal e ao estabelecimento da paternidade do investigante versus o direito à privacidade e à intimidade da vida familiar do investigado e da sua família, bem como a segurança jurídica destes (artigo 2.º da CRP) – pelo que o tratamento jurídico-constitucional deste conflito entre bens jurídicos faz-se de acordo com o método da ponderação, à luz do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2, da CRP), e está sujeito a evolução, por força do aprofundamento da consciência social e da valorização crescente do direito à identidade genética e pessoal. A defesa da consagração de prazos de caducidade das ações de investigação de paternidade assentou, durante anos, em razões ligadas à segurança jurídica, ao perigo de perturbação da prova dos vínculos que a possibilidade de intentar uma ação tardia potenciava e à necessidade de paralisar pretensões puramente egoís- ticas, por exemplo, a propositura de uma ação no final da vida do pretenso progenitor ou mesmo depois da morte deste apenas para “caçar fortuna”. Numa primeira fase, o Tribunal Constitucional, em relação aos prazos fixados na norma do artigo 1817.º, na redação do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, decidiu sempre no sentido da compati- bilidade destas normas com os princípios constitucionais. Contudo, os avanços científicos e o aparecimento de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza – probabilidades bioestatísticas superiores a 99,5% – fizeram desaparecer o receio do envelhecimento e aleatoridade da prova. Por outro lado, o surgimento de novos valores ligados ao conhecimento das origens, no âmbito da filiação, diminuiu o peso dos interesses do pretenso pai à segurança jurídica, a necessidade de prevenção da “caça às fortunas”, a paz da família conjugal do investigado e a reserva da vida privada, que começaram a ser olhados como interesses menores face ao superior interesse do filho em conhecer e ver reco- nhecida juridicamente as origens da sua existência. Foram, então, proferidos Acórdãos pelo Tribunal Constitucional, numa segunda fase, que julgaram inconstitucional o regime de prazos de investigação da paternidade ou alguns aspetos desse regime: os Acór- dãos n. os 456/03 e 486/04. Todavia, nestes arestos, não se reprovou a existência de limites temporais à pro- positura da ação, mas apenas a consagração de prazos que, pela sua exiguidade, dificultavam seriamente ou inviabilizavam a possibilidade do interessado averiguar o vínculo de filiação. A inconstitucionalidade do prazo de caducidade objetivo, de dois anos após a maioridade ou emanci- pação, consagrado no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 496/77, viria posteriormente a ser declarada com força obrigatória geral pelo Acórdão do Plenário n.º 23/06, de 10 de janeiro de 2006 ( Diário da República, n.º 28, I-A Série, de 8 de fevereiro de 2006, p. 1026, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional , Vol. 64.º, p. 81), por «excluir totalmente a possibilidade de investigar judicialmente a paternidade (ou a maternidade), logo a partir dos vinte anos de idade», assim diminuindo «o alcance do conteúdo essencial dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, que incluem o direito ao conhecimento da paternidade ou da maternidade». Mas os prazos de caducidade especiais previstos nos n. os 3 e 4 do artigo 1817.º do Código Civil, apesar de assentarem num critério subjetivo, também viriam a ser julgados inconstitucionais, respetivamente pelos

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