TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
278 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL instauração pelo filho duma acção de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada. Por estas razões cumpre concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante, não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo jurí- dico, abrangidos pelo direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artigo 26.º, n.º 1, e o direito a constituir família, previsto no artigo 36.º, n.º 1, ambos da Constituição». Para além de o Acórdão n.º 401/11 se basear numa ideia de maturidade do investigante para refletir sobre a necessidade de intentar a ação, a qual estaria perfeitamente atingida aos 28 anos de idade, o juízo de constitucionalidade baseou-se na proteção dos interesses do investigado à paz familiar e à segurança jurídica, conforme resulta deste excerto: «Este interesse também tem projecção na dimensão subjectiva, como segurança para o investigado e sua famí- lia. Não deixa de relevar que alguém a quem é imputada uma possível paternidade – vínculo de efeitos não só pessoais, como também patrimoniais – tem interesse em não ficar ilimitadamente sujeito à “ameaça”, que sobre ele pesa, de instauração da acção de investigação. Note-se que este interesse do suposto pai não é auto-tutelável, uma vez que nas situações de dúvida a realização de testes científicos exige a colaboração do suposto filho, além de que nas situações de completo desconhecimento, apesar de não se registar uma vivência de incerteza, a propositura da acção de investigação potencialmente instaurada largos anos volvidos após a procriação é de molde a “apanhar de surpresa” o investigado e a sua família, com as inerentes perturbações e afectações sérias do direito à reserva da via privada. Também deste ponto de vista há razões para o legislador incentivar o exercício o mais cedo possível desse direito». 9. A posição da doutrina A doutrina tem adotado o entendimento, segundo o qual o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação, consagrado pela Lei n.º 14/2009, continua a ser inconstitucional, por violação dos direitos a conhecer a identidade genética e a estabelecer os correspondentes vínculos jurídicos de filiação, defendendo também que a tutela adequada destes direitos exige a abolição absoluta dos prazos de caducidade para o filho investigar esses vínculos (vide Joaquim de Sousa Ribeiro, A inconstitucionalidade da limitação temporal ao exercício do direito à investigação da paternidade , ob. cit. , 2018; Guilherme de Oliveira, Estabelecimento da Filiação , Coimbra, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2017, pp. 152-156; Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo , 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 134 e seguintes; Rafael Vale e Reis, O direito ao conhecimento das origens genéticas , Coimbra, pp. 206-216, Idem , «Filho depois dos 20…! Notas ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 486/2004, de 7 de julho», in Lex Familiae, n.º 3, 2005, pp.127- 134); Paula Távora Vítor, «A propósito da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril: Breves considerações», in Lex Familiae, n.º 11, 2009, pp. 87-91). É de assinalar, contudo, que alguma doutrina admite, em sede de direito infraconstitucional, a aplicabilidade do instituto do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil), para paralisar o exercício do direito à investigação da paternidade ou para determinar a ineficácia patrimonial do estabelecimento do vínculo, para efeitos sucessórios e de alimentos, vedando, assim, que o investigante bene- ficie das consequências jurídicas patrimoniais do reconhecimento da paternidade, nomeadamente, quando apenas procura com a ação de investigação obter o estatuto de herdeiro para aceder à partilha (cfr. Cristina Dias, «Investigação da paternidade e abuso do direito. Das consequências jurídicas do reconhecimento da paternidade – Ac. do STJ de 9.4.2013, proc. 187/09», in CDP, n.º 45, 2014, pp. 58-59; João Paulo Remé- dio Marques, «O prazo de caducidade do artigo 1817.º do Código Civil e a cindibilidade do estado civil: o
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