TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
279 acórdão n.º 488/18 acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 24/2012», in Textos de Direito da Família para Francisco Pereira Coelho, Coimbra, 2016, pp. 211-214). No plano do direito vigente, Jorge Duarte Pinheiro defende que uma interpretação conforme à Constituição exige que a ação de investigação da paternidade possa ser intentada a todo o tempo para definir o estatuto pessoal do filho, vigorando o prazo de dez anos apenas para uma ação de investigação da paternidade com efeitos sucessórios (cfr. Jorge Duarte Pinheiro, ob. cit. , pp. 140-141). Para a generalidade dos autores, a solução do abuso do direito, já discutida na jurisprudência dos tribunais comuns, é apenas defensável num quadro de imprescritibilidade da ação e em casos extremos, que não se identificam com o mero decurso do tempo, pois corre-se o risco de continuar a penalizar os filhos nas- cidos fora do casamento, violando o princípio consagrado no artigo 36.º, n.º 4, da CRP e criando uma causa de indignidade sucessória não prevista na lei. Pronuncia-se contra a aplicação do abuso do direito e contra a divisibilidade do estatuto da filiação, a propósito da ação de investigação da paternidade, Luís Menezes Leitão («Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2013», in Revista da Ordem dos Advogados, ano 73, Vol. I, janeiro/março, pp. 396 a 399, disponível para consulta in www.oa.pt ) , que entende ser constitucionalmente imposta a sua imprescritibilidade para todos os efeitos, pois, a não ser assim «Voltaríamos a ter duas classes de filhos: os nascidos dentro do casamento que nunca teriam qualquer pro- blema em herdar a herança do seu progenitor a menos que fossem por estes deserdados e os nascidos fora do casamento, cuja pretensão à sucessão legal teria que passar pelo crivo do abuso de direito. (…) A isto acresce que o direito de suceder é um mero efeito legal inerente à qualidade de filho, cuja aquisição não depende de qualquer comportamento do próprio pelo que não se vê como poderia ser objeto de abuso. É possível retirar a capacidade sucessória nos casos de indignidade (artigo 2034.º CC) ou deserdação (artigo 2166.º), mas tal apenas ocorre como sanção para gravíssimos comportamentos praticados pelo herdeiro». Apesar de haver divergências doutrinais em torno da aplicabilidade do abuso do direito e da possibili- dade de cisão do estado das pessoas, a doutrina é unânime na defesa da inconstitucionalidade da fixação de prazos nas ações de investigação da filiação, por violação do direito à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da CRP). Os argumentos tradicionalmente aduzidos para defender a consagração de prazos de caducidade do direito de investigar a maternidade e a paternidade têm sido considerados anacrónicos, perante a evolução das conceções sociais e jurídicas e o avanço da ciência, entendendo a doutrina que esta positivação de um prazo de dez anos, após a maioridade ou emancipação, consiste numa restrição injustificada e despropor- cionada ao direito fundamental ao conhecimento das origens genéticas, e portanto, constitucionalmente inadmissível. A doutrina tem salientado, também, como critérios decisivos a favor da imprescritibilidade da ação de investigação da paternidade, a «responsabilidade inalienável» do pretenso pai, a qual se sobrepõe ao seu direito à reserva da vida privada. Vejamos as palavras de Guilherme de Oliveira ( Estabelecimento da Filiação , 2017, p. 154): «É certo que o pretenso pai poderá continuar a invocar o “direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar”, que poderá ser afetada pela revelação de factos de algum modo comprometedores. Mas será possível demonstrar que o decurso do tempo agrava os danos sobre o suposto pai? Não poderá afirmar-se que o decurso do tempo é ainda mais prejudicial para o filho? E deve proteger-se este direito do eventual progenitor à custa do direito de investigar o vínculo? Como resposta, diria que prefiro tutelar o direito do filho a investigar a filiação a tutelar o direito do progenitor a esquivar-se à sua responsabilidade inalienável; diria também que não podemos exagerar o direito à reserva da intimidade da família do suposto progenitor, sob pena de se estabelecerem outras limitações do direito de agir contra supostos progenitores casados – casados ao tempo do nascimento ou casados no momento do reconhecimento – que foram conhecidas do nosso sistema jurídico e, obviamente, foram consideradas discriminatórias contra os filhos adulterinos».
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