TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

280 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na mesma linha da responsabilidade individual pela procriação, que fundamenta um dever jurídico de perfilhar o filho nascido fora do casamento, a todo o tempo, bem como do interesse público do Estado no estabelecimento da filiação, desenvolve o autor as seguintes asserções, negando a relevância dos interesses do pretenso pai ao não estabelecimento da paternidade ( Ibidem , p. 154): «De facto, não dou relevância à liberdade-de-não-ser-considerado-pai, só pelo facto de terem passado muitos anos sobre a conceção; pai e filho estão inexoravelmente ligados e tanto o “princípio da verdade biológica” que inspira o nosso direito da filiação quanto as noções sobre responsabilidade individual a que adiro não reconhecem uma faculdade de o pai biológico se eximir à responsabilidade jurídica correspondente. Postas as coisas assim – do lado do suposto progenitor – já não centramos a discussão no direito de investigar e na sua eventual “imprescritibilidade”, mas sim no mérito da posição do suposto progenitor. Admitindo que o suposto progenitor tem o dever jurídico de assumir a responsabilidade pela procriação, desde logo praticando um ato de perfilhação, e que tem de aceitar que o Estado tutele o interesse público da constituição dos vínculos através da averiguação oficiosa da paternidade, em que o pai tem o dever geral de colaborar (…)». Referindo-se ao Acórdão n.º 23/06, afirma Jorge Duarte Pinheiro ( O Direito da Família Contemporâneo , ob. cit. , p. 134) o seguinte: «Por conseguinte, a decisão final que foi proferida no acórdão talvez tenha sido tímida. Em minha opinião, já não é razoável a imposição de prazos para a investigação da paternidade ou maternidade. Os testes de ADN permi- tem determinar com grande segurança a maternidade ou a paternidade de uma pessoa, muitos anos após a morte do hipotético progenitor, o que afasta o risco da incerteza das provas. Quanto à caducidade da ação de investigação enquanto instrumento de tutela da segurança jurídica dos herdeiros e de combate da “caça às heranças”, estão em causa argumentos de índole predominantemente patrimonial que não superam o interesse do filho no estabeleci- mento da respectiva filiação. Por fim, a tutela da segurança do pretenso pai está novamente aquém do interesse do filho, em especial num contexto de fiabilidade da prova do parentesco e de prevalência da ideia de responsabilidade parental pelo ser humano que foi gerado. (realce nosso) Num ordenamento como o nosso, em que a acção de investigação da paternidade ou maternidade constitui o meio que assiste ao pretenso filho para obter o reconhecimento judicial da sua ascendência biológica, penso que os prazos de caducidade configuram uma restrição desproporcionada do direito à identidade pessoal relativa ou à historicidade pessoal, consagrado no art. 26.º, n.º 1, da CRP». 10. Direito comparado Em termos de direito comparado, os países europeus congéneres do nosso, como a Espanha, a Itália e a Alemanha, e ainda os países de língua portuguesa, como o Brasil e os países africanos (Cabo Verde e Angola), adotaram na sua legislação civil uma solução de inexistência de qualquer prazo de caducidade para intentar a ação de investigação da paternidade. Assim, o artigo 270.º do Código Civil italiano dispõe que a ação para obter a declaração judicial da paternidade ou da maternidade é imprescritível para o filho. Segundo o artigo 1606.º do Código Civil bra- sileiro, a “ação de prova de filiação compete ao filho, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele morrer menor ou incapaz” (a Lei n.º 8.560, de 29 de dezembro de 1992, veio regular a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento). Nos termos do artigo 133.º do Código Civil espanhol, por sua vez, a “ação de reclamação de filiação não matrimonial, quando falte a respetiva posse de estado, cabe ao filho durante toda a sua vida”. No mesmo sentido, no Código Civil alemão ( BGB ) também não existe qualquer prazo de caducidade para a ação de investigação de paternidade, podendo, em princípio, o pretenso pai, que não perfilhou, ser judicialmente investigado a todo o tempo (salvo os casos em que a ação de investigação da paternidade depende da procedência de uma ação de impugnação da paternidade, a qual está sujeita, nos

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