TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

284 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 14. Em face do exposto, o Acórdão n.º 401/11 assenta num juízo de ponderação que deve ser revisto pelo Tribunal Constitucional, pois sobrevaloriza excessivamente as razões de segurança jurídica, atribuindo- -lhes um peso que elas constitucionalmente não têm. No juízo de ponderação a efetuar acerca da proporcionalidade da restrição dos direitos fundamentais sacrificados pela norma questionada, deve ter-se em conta a natureza pessoalíssima dos direitos restringidos pelo prazo de caducidade, bem como interesses de ordem pública que exigem, para evitar a possibilidade de relações de consanguinidade e para permitir a observância do sistema de impedimentos matrimoniais, o estabelecimento das relações de filiação de todos os cidadãos. Isto mesmo reconheceu o Acórdão n.º 401/11: «Mas, já num plano geral, não é possível ignorar que a constituição e a determinação integral do vínculo de filiação, abrangendo ambos os progenitores, corresponde a um interesse de ordem pública, a um relevante princí- pio de organização jurídico-social. O dar eficácia jurídica ao vínculo genético da filiação, propiciando a localização perfeita do sujeito na zona mais nuclear do sistema das relações de parentesco, não se repercute apenas na relação pai-filho, tendo projecções externas a essa relação ( v. g. em tema de impedimentos matrimoniais). É do interesse da ordem jurídica que o estado pessoal de alguém não esteja amputado desse dado essencial. Daí, além do mais, a consagração da averiguação oficiosa de paternidade (artigos 1864.º e seguintes). E importa que esse objectivo seja alcançado o mais rápido possível, numa fase ainda precoce da vida do filho, evitando-se um prolongamento injus- tificado de uma situação de indefinição na constituição jurídica da relação de filiação. É do interesse público que se estabeleça o mais breve que seja possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade e jurídica, fazendo funcionar o estatuto jurídico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos». À luz destes princípios, e procedendo a novas ponderações valorativas, vão ser reanalisados os argumen- tos do Acórdão n.º 401/11: o argumento caça fortunas; o argumento da segurança jurídica, na dupla vertente objetiva e subjetiva; os argumentos da vida privada do pretenso pai e da proteção da paz familiar. 15. Os efeitos sucessórios da filiação e o argumento caça-fortunas Acerca do argumento, propugnado pela tese da caducidade, segundo a qual interposição tardia da ação de investigação da paternidade resulta de um objetivo egoístico e patrimonial do investigante, que apenas procura obter os efeitos sucessórios decorrentes da qualidade de herdeiro legitimário, deve notar-se que a lei não exige comunidade de afetos com o de cujus para que se produzam os efeitos sucessórios. Na verdade, verifica-se ser comum, nas famílias fundadas no casamento, que alguns filhos, que nunca se interessaram pelos seus pais nem os auxiliaram na velhice, venham exigir, após a morte, a sua legítima, tendo os requisitos de indignidade sucessória pressupostos muito apertados que não abrangem estas situações. Por maioria de razão, num contexto em que não foi o filho que se afastou do pretenso pai, mas, pelo contrário, este que recusou assumir o estatuto jurídico de pai, não pode o Tribunal Constitucional, no juízo de ponderação entre valores em conflito, censurar uma eventual busca – impossível de sindicar e que não pode presumir-se – dos efeitos sucessórios da filiação, os únicos de que afinal os filhos poderão beneficiar, dado que durante a sua infância e juventude o seu progenitor não assumiu, em regra, qualquer responsabilidade familiar nem patri- monial. Os alimentos e os efeitos sucessórios são os principais esteios das relações familiares, sobretudo, das relações de filiação. Ora, um filho, que, durante a menoridade, se viu privado, em relação ao investigado, seu pretenso pai, do apoio financeiro e afetivo que os pais costumam proporcionar, resta-lhe apenas a obtenção do seu direito à herança, o qual, mesmo que exercido tardiamente, não se pode considerar abusivo, num contexto legal em que os restantes herdeiros o podem exercer a todo o tempo, nos termos do artigo 2075.º do Código Civil. Por outro lado, a presunção de que o estabelecimento da filiação tem a sua dimensão mais importante durante a menoridade, esquece que existem entre pais e filhos, em todas as fases da vida, deveres mútuos de respeito, auxílio e assistência (artigo 1874.º do Código Civil) e que esta solidariedade familiar se

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