TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

285 acórdão n.º 488/18 repercute em deveres de alimentos recíprocos entre pais e filhos adultos, segundo os artigos 1874.º, n.º 2, e 2009.º, n.º 1, alínea c) , do Código Civil (para além dos alimentos devidos a filho maior enquanto este não completar a sua formação profissional, nos termos do artigo 1880.º do Código Civil) e nos efeitos sucessórios da filiação, que constitui, ainda, uma forma de os pais auxiliarem os filhos no plano económico. A propósito dos efeitos sucessórios da filiação e dos juízos de valor feitos em relação aos investigantes que interpõem a ação fora do prazo de caducidade geral, afirma, certeiramente, o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, no voto de vencido aposto ao Acórdão n.º 401/11 (vide também, do mesmo autor, A incons­ titucionalidade da limitação temporal ao exercício do direito à investigação da paternidade , ob. cit. , 2018, pp. 233-234), o seguinte: «É uma evidência que há toda a vantagem em que o reconhecimento da paternidade se verifique na fase mais precoce possível da vida do filho, para assim este poder beneficiar, em pleno e em todas as dimensões, do desempe- nho da responsabilidade parental. Mas retirar daí um argumento a favor da perda da possibilidade de saber quem é o pai, decorrido certo prazo após a maioridade, não só é excessivo, como se nos afigura insustentável, à luz dos valores consagrados na Constituição de 1976. Na verdade, o direito a constituir família, se não pode garantir a inserção numa autêntica comunidade de afectos – coisa que nenhuma ordem jurídica pode assegurar – implica necessariamente a possibilidade de assunção plena de todos os direitos e deveres decorrentes de uma ligação familiar susceptível de ser juridicamente reconhe- cida. Faz parte do estatuto de filho a titularidade de direitos patrimoniais, o direito a alimentos e o direito a herdar, na qualidade de herdeiro legitimário. Pela natureza das coisas, a aquisição desse estatuto, por parte dos filhos nas- cidos fora de matrimónio, processa-se de forma diferente da dos filhos de mãe casada, uma vez que só estes podem beneficiar da presunção de paternidade marital. Mas essa aquisição, através do reconhecimento judicial, não deve ser indevidamente obstaculizada, a pretexto de que o que move o interessado são pretensões de ordem patrimonial – pretensões inteiramente legítimas, no caso de ele ser filho. A peremptória proibição de discriminação dos filhos nascidos fora do casamento (artigo 36.º, n.º 4, da CRP) não actua só depois de constituída a relação, projecta-se também na fase anterior, vedando que sejam postos entraves injustificados a dar tradução jurídica (com os direitos, todos os direitos, inerentes) ao vínculo biológico de filiação. A infundada disparidade de tratamento, em violação daquela proibição, tanto pode resultar da atribuição de posições inigualitárias, em detrimento dos filhos provenien- tes de uma relação não conjugal, como, antes disso, e mais radicalmente do que isso, do estabelecimento de impe- dimentos desrazoáveis a que alguém que biologicamente é filho possa aceder ao estatuto jurídico correspondente. Para além de todas as considerações de carácter sociológico, quanto às mudanças operadas na estrutura e repar- tição dos bens de fortuna, que tornam menos convincente o argumento, é, pois, descabido e constitucionalmente claudicante fazer decorrer de eventuais motivações patrimoniais uma razão bastante para precludir a aquisição do estado pessoal que é condição de satisfação desse interesse. (…) A efetiva vivência familiar, com a constituição de laços pessoais, não é, de acordo com o regime sucessório, condição de titularidade e de exercício dos direitos dos herdeiros legitimários. Tanto assim que os filhos gerados em matrimónio, e salvas as situações extremas justificativas de deserdação, não deixam de herdar, mesmo que não tenham chegado a estabelecer, ou tenham perdido, qualquer ligação pessoal com o progenitor, ou mesmo que essa ligação tenha um cunho litigioso. Não se compreende, neste contexto, que a procura, pelo pretenso filho, de um efeito legal, que decorre apenas, sem mais, do vínculo jurídico de filiação, seja considerado uma causa indigna da constituição desse vínculo, unicamente porque já não é possível dar realidade prática aos efeitos pessoais que dele também promanam – o que frequentemente só aconteceu, diga-se de passagem, porque o pai se furtou (ou, pelo menos, não diligenciou) a assumir, no passado, a responsabilidade decorrente do acto de procriação. Tal significaria uma disparidade de tratamento do nascido fora do casamento, sobrecarregando desvantajosamente a situação em que, por força dessa condição de nascimento, ele está já está naturalmente colocado».

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