TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

286 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, os efeitos sucessórios perderam a eficácia económica que tinham nas sociedades pré- -industriais, em que o bem imóvel era o tipo mais significativo de riqueza, sendo predominante, hoje, a riqueza que se constitui graças ao rendimento do trabalho e que, por falta de controlo adequado, se trans- mite à margem do Direito das Sucessões (cfr. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito das Sucessões Contemporâneo , AAFDL, Lisboa, 2011, pp. 42-43). 16. A segurança jurídica do investigado e dos seus herdeiros São invocadas, por último, contra os direitos fundamentais do filho investigante, razões de certeza e de segurança jurídica, que, merecendo tutela constitucional, demandariam um fim ao prolongamento da inde- finição quanto ao estabelecimento do vínculo de filiação. A segurança jurídica pode ser analisada como uma segurança subjetiva, reportada à situação de incerteza ou de indefinição em que se força o investigado a viver, ilimitadamente sujeito à instauração da ação de inves- tigação, ou como uma segurança patrimonial, que abrange a tutela da herança dos herdeiros do investigado. Sobre a questão desta dupla dimensão da segurança jurídica já se pronunciou o Acórdão n.º 23/06, em relação ao prazo de caducidade de dois anos após a maioridade, com considerações igualmente aplicáveis ao caso sub judice : «Quanto ao interesse do pretenso progenitor em não ver indefinida ou excessivamente protelada a dúvida quanto à sua paternidade, não pode, desde logo, deixar de observar-se que, se o que está em questão é realmente a incerteza quanto à paternidade, esta pode hoje, com grande segurança, ser logo eliminada, com a concordância do próprio pretenso progenitor que nisso estiver realmente interessado, bastando, para tal, aceitar a realização de um vulgar teste genético de paternidade. Não deve sobrevalorizar-se, no confronto com bens constitutivos da personalidade, a garantia de “segurança jurídica”, que releva sobretudo no âmbito patrimonial. Note se que a ordem jurídica não mostra uma preocupa- ção absoluta com a segurança patrimonial dos herdeiros reconhecidos do progenitor, podendo qualquer herdeiro preterido intentar acção de “petição da herança”, a todo o tempo, com sacrifício de quem tiver recebido os bens (artigo 2075.º do Código Civil). E, de qualquer modo, pode duvidar-se de que o pretenso progenitor mereça uma protecção da segurança da sua vida patrimonial que justifique a regra de exclusão do direito do investigante, logo a partir dos vinte anos e sem consideração de outras circunstâncias, a saber que é o seu pai. É que não pode conceder-se a uma certeza ou segurança patrimonial de outros filhos, ou do pretenso progenitor, relevância decisiva para excluir o direito, emi- nentemente pessoal e que integra uma dimensão fundamental da personalidade, a saber quem é o pai ou a mãe biológicos. Na verdade, afigura-se que a pretensão de satisfazer, através do sacrifício do direito do filho a saber quem é o pai, um puro interesse na tranquilidade – em “ser deixado em paz” – ou na eliminação rápida de dúvidas – em resolver o assunto – não é digna de tutela, se se tratar realmente do progenitor. Este tem uma responsabilidade para com o filho que não deve pretender extinguir pelo decurso do tempo, logo que aquele completa 20 anos, pela simples invocação de razões de segurança, confiança ou comodidade». Estes argumentos, embora reportados ao prazo de dois anos após a maioridade, são transponíveis para analisar a questão da legitimidade constitucional da fixação de um prazo de caducidade pelo legislador ordi- nário. É que o aumento da duração do prazo de dois para dez anos não é de molde a que deixe de importar a hierarquia constitucional entre os direitos de natureza pessoalíssima do investigante, que devem receber a primazia no juízo de ponderação, e os direitos patrimoniais do investigado e dos seus herdeiros, de natureza secundária, nem implica qualquer atenuação do peso que tem a responsabilidade do pretenso pai em relação ao seu filho biológico, que nunca perfilhou, sobre a eventual incerteza ou indefinição do estatuto pessoal e patrimonial daquele.

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