TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

288 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Retirando peso à segurança jurídica do investigado e dos seus herdeiros, afirma Guilherme de Oliveira ( Estabelecimento da Filiação , ob. cit. , 2017, p. 153): «Receio que se tenha dado um valor imerecido à garantia de “segurança jurídica”, nesta matéria. Creio que esta garantia tem sentido principalmente no âmbito patrimonial de onde emergiu, afinal, todo o direito civil. De facto, compreende-se a necessidade de definir até que momento é possível formular uma pretensão com implicações económicas para os indivíduos ou para as empresas – até que momento há o risco de se ter de restituir um bem adquirido, uma soma pecuniária recebida, até que momento se pode ser onerado com o dever de indemnizar um lesado ou um grupo de consumidores. Os eventuais onerados precisam, de um ponto de vista da sua organização patrimonial, de saber a partir de que momento é que podem confiar na propriedade do bem adquirido, na dispo- nibilidade de uma soma em dinheiro, ou a partir de que momento é que já não precisam de estar financeiramente prevenidos para proceder a um pagamento, ou orçamentar uma despesa de indemnização. Tanto a vida patrimonial dos indivíduos como a vida comercial das empresas precisam desta segurança. Mas será que o suposto progenitor merece também esta segurança – a segurança de não ser incomodado a partir de uma certa idade do filho? A segurança de não ser declarado pai, em qualquer momento, merece os mesmos cuidados por parte do sistema jurídico? De duas uma: se o suposto progenitor julga que é o progenitor, está nas suas mãos acabar com a insegurança – perfilhando – e se tem dúvidas pode mesmo promover a realização de testes científicos que as dissipem; se, pelo contrário, não tem a consciência de poder ser declarado como progenitor, não sente a própria insegurança. E se for um dia surpreendido pelas consequências de um “acidente” passado há muito tempo, dir-se-á que tem sempre o dever de assumir as responsabilidades, porque mais ninguém o pode fazer no lugar dele». A segurança jurídica do investigado e da sua família foi um argumento hipervalorizado pelo Acórdão n.º 401/11, e que não tem, face à hierarquia de valores fixada na Constituição, peso suficiente para prevale- cer sobre os direitos fundamentais, pessoalíssimos, do investigado, nem sobre os interesses de ordem pública relacionados com o estabelecimento da filiação. 17. O pretenso ónus de diligência e o carácter pessoal da decisão de intentar a ação A jurisprudência do Tribunal Constitucional também já entendeu que a decisão de interpor ação de investigação e a escolha do momento para o fazer é uma «faculdade eminentemente pessoal, em que apenas pode imperar o critério do próprio filho, e não qualquer “interpretação externa” do seu interesse ou utilidade deste na investigação da paternidade» (Acórdão n.º 23/06, reiterando a orientação do Acórdão n.º 486/04). Como assinala o Conselheiro Joaquim Sousa Ribeiro no seu voto de vencido «A isso há a acrescentar que este critério pode ser mutável, em correspondência com a variação no tempo dos quadros relacionais e situa- cionais que podem influenciar uma tomada de decisão, tal como são subjetivamente sentidos e interpretados pelo pretenso filho». A imposição ao investigado de um ónus de diligência, por cujo incumprimento deve ser sancionado ou assumir as consequências, dentro de uma lógica de auto-responsabilidade, contende com a liberdade do investigante na formulação de um juízo de caráter pessoalíssimo e que pode sofrer mutações ao longo da vida, decorrentes dos contextos de vida que o filho atravessa, da evolução da sua sensibilidade e opinião, bem como do facto de ter ele próprio constituído família e de ter de ponderar, na sua decisão, os interesses dos seus descendentes. Como afirma o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro, no seu voto de vencido (e também no artigo publicado na RLJ : «A inconstitucionalidade da limitação temporal ao exercício do direito à investigação da paternidade», 2018, pp. 222-223), a pessoa humana é um «ser em devir», «estando a possibilidade de auto- conformação, a todo o momento, da sua esfera de vida e da personalidade própria absolutamente coberta pelo direito fundamental ao desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, n.º 1, da CRP). Este direito importa a faculdade de formação e de expressão da vontade daquilo que se é ou se quer ser, no presente,

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