TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

293 acórdão n.º 488/18 no artigo 36.º, n.º 4, da Constituição –, não é isso que se verifica relativamente ao regime legal que resultou das alterações introduzidas pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril. Os prazos em causa – e muito concretamente o previsto no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil – não impedem que o interessado, dispondo de um tempo de reflexão razoável, possa esclarecer as suas dúvidas quanto ao pretenso pai e, se for o caso, ver judi- cialmente reconhecida a sua ascendência biológica e estabelecido o vínculo jurídico de filiação, com todos os efeitos legais, entre si e aquele a quem é imputável o facto biológico da geração. Simultaneamente, os mesmos prazos acautelam que o esclarecimento e definição de um vínculo tão importante dos pontos de vista social e jurídico como a filiação não fique indefinidamente dependente da exclusiva vontade de um único interessado, em especial numa altura em que já não é possível a ação oficiosa de investigação de paternidade [cfr. o artigo 1866.º, alínea b) , do Código Civil]; e salvaguardam, minimamente, os direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar de potenciais investigados e seus familiares. Em ambos os casos estão em causa interesses constitucionalmente relevantes, respetivamente, a definição do estatuto pessoal da pessoa em matéria de filiação e direitos fundamentais de terceiros. 2. Tal como referido no Acórdão n.º 401/11, a solução legal em matéria de prazos para a propositura da ação de investigação de paternidade tem de ser entendida de forma integrada, já que a «eficácia flanqueadora» dos prazos previstos nos n. os 2 e 3 do artigo 1817.º interfere no alcance extintivo do prazo de caducidade consagrado no n.º 1 do mesmo preceito e que constitui o objeto do presente processo de fiscalização concreta da constitucionalidade. Com efeito, o «acolhimento de genéricos prazos de caducidade subjetivos salvaguarda, sem lacunas, a efetiva possibilidade de o interessado recorrer a juízo para ver reconhecido o vínculo de filiação com o seu progenitor. E […], mesmo quando o investigante dispõe de elementos probatórios que lhe permitem susten- tar, com viabilidade de sucesso, dentro do prazo fixado no n.º 1, a sua pretensão de reconhecimento como filho de determinada pessoa, relevam os factos ou circunstâncias que possam justificar que, só após o termo final de tal prazo, ele tome essa iniciativa» (vide o n.º 2 do Acórdão citado). Ou seja, «os prazos de três anos referidos nos […] n. os 2 e 3 do artigo 1817.º do Código Civil [– que, recorde-se, respeitam ao conhecimento posterior pelo investigante de factos anteriores justificativos da investigação ou de factos novos –] contam-se para além do prazo fixado no n.º 1, do mesmo artigo, não caducando o direito de proposição da ação antes de esgotados todos eles. Isto é, mesmo que já tenham decorrido dez anos a partir da maioridade ou eman- cipação, a ação é ainda exercitável dentro dos prazos previstos nos n. os 2 e 3; inversamente, a ultrapassagem destes prazos não obsta à instauração da ação, se ainda não tiver decorrido o prazo geral contado a partir da maioridade ou emancipação» (vide ibidem , o n.º 8). Daí a conclusão: «o prazo de dez anos após a maioridade ou emancipação [– correspondente à solução legal prevista no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril –] não funciona como um prazo cego, cujo decurso determine inexoravelmente a perda do direito ao estabelecimento da paternidade, mas sim como um marco terminal de um período durante o qual não opera qualquer prazo de caducidade. Verdadeiramente, e apesar da formulação do preceito onde está inserido, ele não é um autêntico prazo de caducidade, demarcando antes um período de tempo onde não permite que operem os verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos n. os 2 e 3 do mesmo artigo» (vide idem , ibidem ; no sentido de que o prazo em causa não é considerado «rígido», vide o § 65 da decisão proferida no caso Silva e Mondim c. Portugal , cit. ). Com efeito, importa não confundir a preclusão da possibilidade de intentar uma ação tendente ao reconhecimento de certo direito, com base em determinada causa de pedir, com a extinção do próprio direito a reconhecer. De resto, isso mesmo é expressamente reconhecido na decisão a que se reporta esta declaração: «[a] lei civil portuguesa não adotou , assim [– isto é, na sequência da reforma operada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril –], a regra da “imprescritibilidade” do direito de investigação da paternidade, optando o legislador por fixar limites temporais ao exercício do direito de estabelecer a paterni- dade […]» (cfr. o respetivo n.º 8; itálicos adicionados).

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