TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
294 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Assim, a questão da eventual inconstitucionalidade do prazo de dez anos previsto no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil – mas, como resulta claro da presente decisão, o mesmo vale para todos os demais prazos referentes à propositura da ação de investigação de paternidade – tem de ser equacionada nos seguin- tes termos: é constitucionalmente legítimo exigir a alguém que, considerando dispor dos dados disponíveis para o efeito e pretendendo ver reconhecido o seu direito ao conhecimento do pai biológico e estabelecida a relação de filiação em relação ao mesmo, intente a pertinente ação de investigação de paternidade dentro de um dado período de tempo, sob pena de deixar de o poder fazer, salvo a ocorrência de novas circunstâncias justificativas, de natureza objetiva ou subjetiva? Como mencionado anteriormente, tudo depende da razoabilidade do prazo e da relevância constitucio- nal dos interesses subjacentes à imposição de tal ónus. Em todo o caso, cumpre reiterar que uma tal solução afirma igualmente, a priori , e durante todo o período de tempo correspondente ao decurso do prazo em análise, a prevalência do interesse do investigante sobre todos os demais. 3. Sucede que esta prevalência não implica nem é sinónimo de caráter absoluto. O reconhecimento de que assim é constitui, aliás, pressuposto essencial da existência de um espaço de livre conformação do legisla- dor democrático neste domínio reconhecido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e, bem assim, pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 401/11. A dedução em juízo da pretensão de conhecer o respetivo progenitor projeta-se necessariamente nou- tras esferas de interesse, nomeadamente do Estado e de terceiros, pelo que não são de excluir formas de tentar acomodar os vários interesses em presença. Com efeito, está em causa uma atuação individual com profundo significado pessoal, mas também com implicações sociais e jurídicas. Por isso mesmo, a perspetiva do indivíduo titular do direito fundamental em causa, embora decisiva – porque determinante –, não é necessariamente exclusiva – no sentido de deve ser a única a tomar em consideração. Há espaço para, sem deixar de proteger o seu direito, exigir ao respetivo titular que no exercício do direito em causa não descon- sidere totalmente outros interesses. Na verdade, o livre e pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo só é possível no âmbito de uma comunidade, pelo que em razão de tal circunstância lhe podem ser exigidos deveres e, por maioria de razão, ónus (cfr. o artigo 29.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, relevante, nos termos do artigo 16.º, n.º 2, da Constituição, para a interpretação e integração dos preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais). Por outras palavras, a Constituição portuguesa – e o mesmo é reconhecido com referência ao direito à identidade pessoal no âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (cfr. o § 53 da decisão profe- rida no caso Silva e Mondim c. Portugal , cit. ) – rejeita uma compreensão dos direitos fundamentais individuais centrada exclusivamente no indivíduo. Diferentemente, este, sem perda da sua autonomia, é perspetivado como membro de uma comunidade, cabendo ao legislador democrático, assegurar-lhe o exercício pleno dos seus direitos individuais, harmonizá-los com os direitos de terceiros resolvendo eventuais colisões de direitos e, para além disso, estabelecer limitações que podem decorrer da consideração de interesses comunitários e de interesses de terceiros. Como se refere no Acórdão n.º 101/09, a Constituição «supõe a pessoa integrada na realidade efetiva das suas relações familiares e humano-sociais». Deste modo, a prevalência de um direito sobre outro que com ele colida num dado momento, não implica que este último não possa ser considerado para efeitos de graduação do nível de proteção do primeiro ao longo do tempo. A liberdade de conformação do legislador democrático foi, por isso, justamente salientada no Acórdão n.º 401/11: «[A] inexistência de qualquer prazo de caducidade para as ações de investigação da paternidade, permitindo que alguém exerça numa fase tardia da sua vida um direito que anteriormente negligenciou, [pode] corresponder a um nível de proteção máximo do direito à identidade pessoal, [mas] isso não significa que essa tutela otimizada corresponda ao constitucionalmente exigido.
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