TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018

295 acórdão n.º 488/18 [O] direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores conflituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo. Assim o impõe a margem de liberdade que a atividade do legislador democrático reclama. Caberá, assim, nessa margem de liberdade do legislador determinar se se pretende atingir esse maximalismo, protegendo em absoluto o referido direito, ou se se opta por conceder proteção simultânea a outros valores constitucionalmente relevantes, diminuindo proporcionalmente a proteção conferida aos direitos à identidade pessoal e da constituição da família. Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou, as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo.» (n.º 7) 4. Nesse Acórdão, foram identificados três tipos de interesses que o legislador de 2009 entendeu serem merecedores de consideração, justificando-se em atenção aos mesmos a imposição ao interessado de um ónus de diligência quanto à iniciativa processual para apuramento definitivo da filiação, não fazendo prolongar indefinidamente uma situação de incerteza indesejável (cfr. o respetivo n.º 7): – A insegurança ou maior fragilidade da prova, em especial nos casos em que o paradeiro do pretenso pai seja desconhecido ou naqueles em que, tendo o mesmo falecido, o seu cadáver não esteja aces- sível (por exemplo, devido a ter sido cremado); – O interesse público na definição do estado pessoal das pessoas, «fazendo funcionar o estatuto jurí- dico da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos» (aliás, este mesmo interesse subjaz à consagração da averi- guação oficiosa da paternidade); – A salvaguarda do direito à reserva da vida privada do pretenso pai e dos seus familiares: «este inte- resse do suposto pai não é autotutelável, uma vez que nas situações de dúvida a realização de testes científicos exige a colaboração do suposto filho, além de que nas situações de completo desco­ nhecimento, apesar de não se registar uma vivência de incerteza, a propositura da ação de investi- gação potencialmente instaurada largos anos volvidos após a procriação é de molde a “apanhar de surpresa” o investigado e a sua família, com as inerentes perturbações e afetações sérias do direito à reserva da via privada». Todos estes interesses revestem uma importância constitucional justificativa da sua atendibilidade pelo legislador ordinário e são objetivamente afetados por uma situação de incerteza ou indefinição quanto ao acionamento da investigação da paternidade, a partir do momento em que o interessado disponha de infor- mações suficientes para tomar essa iniciativa processual. E tal afetação será tanto maior, quanto mais longo for o período de indefinição. Daí a justificação para a consagração de prazos de caducidade relativamente à propositura da ação de investigação da paternidade: «Ora, o meio, por excelência, para tutelar estes interesses atendíveis, públicos e privados, ligados à segurança jurídica [– entendida aqui como o contrário da indefinição ou incerteza jurídicas –], é precisamente a consagração de prazos de caducidade para o exercício do direito em causa. Esses prazos funcionam como um meio de induzir o titular do direito inerte ou relutante a exercê-lo com brevidade, não permitindo um prolongamento injustificado duma situação de indefinição, tendo deste modo uma função compulsória, pelo que são adequados à proteção dos apontados interesses, os quais também se fazem sentir nas relações de conteúdo pessoal, as quais, aliás, têm muitas vezes, como sucede na relação de filiação, importantes efeitos patrimoniais. […]

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