TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
297 acórdão n.º 488/18 possa ser equacionada em termos de um mero e momentâneo «conflito entre direitos fundamentais», mas, como referido supra no n.º 2, enquanto problema da legitimidade constitucional da imposição de limites temporais ao exercício do direito do investigante. Deve tal iniciativa ficar exclusivamente dependente da vontade do interessado; ou pode o legislador estabelecer um período de tempo findo o qual o recurso à via judicial para exercer o direito em causa deixe de ser possível? Em segundo lugar, a relevância atribuída à «realidade sociológica» correspondente às pessoas filhas de pai incógnito «nascidas antes da Reforma de 1977» para justificar a necessidade de reapreciação da cons- titucionalidade da norma contida no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil (cfr. os n. os 7 e 23 da decisão) afigura-se deslocada. Do ponto de vista jurídico, a mesma realidade poderá, quanto muito, suscitar – ou ter suscitado – questões de direito transitório; no mais, a data de nascimento do interessado, não só não permite qualquer inferência sobre se o mesmo teve ou não efetiva possibilidade de exercer o seu direito ao conheci- mento da progenitura, como coloca uma questão estritamente política. Finalmente, não parece ser demais reiterar a diferença entre a questão do anonimato dos dadores de gâmetas no âmbito da procriação medicamente assistida heteróloga e a questão da suficiência da proteção do direito ao conhecimento da progenitura do filho de pai incógnito. Este último, dentro dos períodos tempo- rais legalmente fixados, tem sempre a efetiva possibilidade de exercer o seu direito, exercício esse que neces- sariamente vai implicar uma recolha de provas em ordem à demonstração de um facto novo e a apreciação da vida íntima passada de um terceiro. No tocante às pessoas nascidas com recurso a técnicas de procriação medicamente assistida heteróloga, verificava-se que as mesmas, antes do juízo de inconstitucionalidade pro- ferido pelo Acórdão n.º 225/18, viam o acesso a uma informação já disponível, e detida por entidades públi- cas, extremamente dificultado – mas não absolutamente impossibilitado – por força do regime do n.º 4 do artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho: a obtenção de informações sobre a identidade do dador tinha de se fundamentar em «razões ponderosas reconhecidas por sentença judicial». O citado Acórdão n.º 225/18 limitou-se a considerar desnecessária tal limitação, uma vez que a salvaguarda de outros direitos fundamen- tais ou valores constitucionalmente protegidos eventualmente afetados pelo acesso a tal informação por parte dos interessados sempre poderá ser tutelada de maneira adequada através de um regime jurídico que consagre a regra inversa: a possibilidade de anonimato dos dadores apenas – e só – quando haja razões ponderosas para tal. Pelo exposto, não só é equívoco falar em «quebra do regime de anonimato dos dadores de gâmetas no caso de procriação heteróloga ou da inseminação de uma mulher com sémen de dador» (cfr. o n.º 13 da presente decisão), como também não é exato afirmar que o Tribunal Constitucional tenha sufragado a tutela absoluta do direito ao conhecimento das origens nesses casos, procurando desse modo criar a base para um argumento de maioria de razão relativamente à investigação da paternidade (cfr. ibidem , o n.º 7). 7. A argumentação deduzida pela maioria que fez vencimento em relação à «segurança jurídica do investigado e dos seus herdeiros» (n.º 16), além de sobrevalorizar a dimensão patrimonial inerente à mesma, centra-se numa ideia de responsabilidade do pretenso pai, o qual, por ter o dever jurídico de perfilhar todos os seus filhos biológicos, independentemente de terem sido concebidos dentro ou fora de um dado casa- mento, vê desvalorizadas ou despidas de qualquer juridicidade as expectativas de, passados alguns anos, não vir a ser “incomodado” por um investigante. Simplesmente, esta maneira de colocar o problema assenta na certeza subjetiva partilhada por investigante e investigado de que o segundo é pai do primeiro. Mas as dificuldades começam precisamente nos casos em que tal pressuposto não se verifica: quando existe incerteza ou mesmo desconhecimento por parte da pessoa a investigar. E agravam-se na hipótese de o pretenso pai já ter falecido. É nesses cenários – expressamente considerados no Acórdão n.º 401/11 – que se coloca com toda a acuidade a questão do respeito da reserva da vida privada – que também é um direito pessoal – do investigado e dos seus familiares. E se, afinal, a certeza subjetiva do investigante se vem a revelar errada? Neste último caso nem sequer faz sentido invocar o dever jurídico de assumir a condição de pai. Por outro lado, o risco de improcedência de uma ação de investigação de paternidade existe. E a verdade é que a investigação de paternidade não se resume à realização compulsiva de um teste de ADN. Implica
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