TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 103.º volume \ 2018
298 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL também necessariamente a exposição de comportamentos passados que relevam da esfera pessoal íntima do investigado cujo conhecimento pode comprometer a sua relação presente com os seus familiares. Em todas estas situações o interesse em não ver a vida passada devassada não se pode reconduzir a um simples interesse de facto, visto que o mesmo é objeto de um direito fundamental e, como tal, não pode ser negada a sua relevância constitucional. Ora, a decisão que fez vencimento traduz-se na sua pura e simples desconsideração. Tal solução até poderia corresponder a uma opção político-legislativa visando uma tutela absoluta do direito ao conhecimento da progenitura enquanto dimensão do direito à identidade pessoal e a constituir família; o que não se vislumbra é que os argumentos invocados na presente decisão fundamentem uma imposição constitucional nesse sentido. 8. Também a rejeição da ideia de autorresponsabilidade do investigante em nome do caráter pessoal da decisão de intentar a ação (n.º 17), sendo em si mesma defensável com base nos argumentos referidos na presente decisão, arrasta consigo a desconsideração de quaisquer outros interesses postos em causa pela tra- mitação de uma ação de investigação de paternidade. E a verdade é que na mesma decisão nada é dito sobre as concretas razões constitucionais que imporiam tal desconsideração: não se explica onde e porquê a Cons- tituição portuguesa impõe uma tutela absoluta do direito ao conhecimento da progenitura, determinando a irrelevância pura e simples de quaisquer outros interesses constitucionalmente reconhecidos, mesmo depois de o titular do referido direito estar em condições de o exercer plena, livre e ponderadamente. O caráter absoluto e exclusivo do direito do investigante não decorre da Constituição. Por isso, a ideia de autorresponsabilidade não pode ser afastada sem mais: a não efetivação voluntária do direito ao conhe- cimento da progenitura por via de uma ação de investigação de paternidade, a partir do momento em que se encontrem reunidas todas as condições para que a mesma seja intentada, justamente porque a incerteza pressuposta por tal ação é contrária ao interesse público e porque a propositura da mesma ação acarreta sacrifícios para terceiros, pode ser valorada negativamente pelo legislador ao ponto de justificar a imposição de um ónus, nomeadamente a definição de um limite temporal para a iniciar. Como refere Sousa Ribeiro, a questão constitucional será então a de «avaliar se o que o filho perde, pela vigência dos prazos de caducidade, é equilibradamente compensado pela justificada, necessária e em medida não excessiva tutela de interesses contrapostos» (vide Autor cit., A inconstitucionalidade da limitação temporal ao exercício do direito à inves tigação da paternidade , ob. cit. na presente decisão, p. 224). Na perspetiva de controlo – que é aquela que compete ao Tribunal Constitucional –, tal determina verificar se a opção político-legislativa realizada – a fixação de prazos de caducidade – em vista da prossecução de um fim legítimo, como a salvaguarda mínima de interesses constitucionalmente relevantes, acautela a possibilidade real de efetivar plenamente o citado direito ao conhecimento da progenitura não sendo por isso inadequada, desnecessária e desequilibrada (cfr. supra o n.º 4). Sendo certo que a identidade pessoal e a constituição de família na vertente aqui considerada do estabe- lecimento do vínculo de filiação são elementos conformadores da autodefinição da pessoa e, nessa medida, do desenvolvimento da sua personalidade, que é necessariamente dinâmico, não é menos certo que tal signi- ficado conformador decresce muito acentuadamente com a maturidade e a experiência de vida. Daí a impor- tância decisiva de qualquer um dos limites temporais legalmente estabelecidos para o exercício do direito ao conhecimento da progenitura por via da ação de investigação de paternidade só poder operar depois de o interessado, dispondo das informações por si consideradas suficientes para o efeito, já ter a maturidade e a experiência da vida necessárias a poder tomar neste domínio uma decisão devidamente refletida e ponderada (cfr. supra o n.º 4). Essa foi uma avaliação feita pelo legislador em vista de um fim legítimo que o Tribunal, sem prejuízo de reconhecer como não sendo a única possível, não está em condições de contrariar com fundamento em juízos de inadequação, desnecessidade ou desequilíbrio. Com efeito, uma vez assegurada a referida possibilidade de exercício pleno daquele direito, cabe ao legislador democrático decidir se, em face da inconveniência da
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=